São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Lei natural impõe reformas

ABRAM SZAJMAN

A transferência purae simples de recursos deve ser gradativamente substituída pela geração de emprego e renda

A DISPUTA eleitoral que mobilizou o país deu lugar ao debate de temas que apenas foram tangenciados durante a campanha, como a reforma da Previdência Social, e que são cruciais para se definir os rumos do governo no segundo mandato. A questão central deste debate é a seguinte: conseguiremos emergir do nível de crescimento medíocre de 2,5% ao ano, verificado no último quarto de século, para os 5% anunciados pelo presidente reeleito, ou o nosso distanciamento em relação ao mundo prevalecerá?
O primeiro mandato que ora termina caracterizou-se pelo controle da inflação, bons resultados nas transações externas e crescimento do nível de emprego (ainda que modesto), fatores aliados a programas assistenciais como o Bolsa Família. Esta mescla de controle monetário rígido com assistencialismo rendeu seus frutos, tirou uma parcela expressiva da população da linha da miséria e acabou por merecer o reconhecimento da maioria do eleitorado, em especial de suas franjas mais humildes.
Ocorre, porém, que este modelo pede um complemento, sob o risco de desmoronar aos primeiros ventos contrários no panorama internacional, até agora excepcionalmente favorável. No aspecto econômico, salta aos olhos que a estabilidade não pode depender das mais altas taxas de juros do mundo. E no social, a transferência pura e simples de recursos, de caráter emergencial, deve ser gradativamente substituída pela geração de emprego e renda, de modo a incorporar, de maneira definitiva, milhões de pessoas a um mercado interno que precisa ser urgentemente ampliado.
Assim, o Brasil está hoje numa encruzilhada semelhante à que viveu no século 19, quando foi a última nação a abolir o trabalho escravo. O que precisamos libertar hoje, como já fizeram os países emergentes que mais crescem no mundo, é o espírito empreendedor dos brasileiros, por meio de um ambiente mais favorável aos investimentos, públicos e privados, nacionais ou estrangeiros.
Não é mais possível desconhecer que a economia é regida por leis naturais, que estabelecem sanções quando são desrespeitadas. Estamos pagando com o atraso do nosso povo e do nosso comércio externo pela burocracia que sufoca a atividade empresarial.
Pela carga tributária brutal que empurra as empresas para a informalidade. Pelas leis trabalhistas que garantem muito a poucos, e nada para quem não tem carteira assinada. Pela ausência de reformas que, como leis naturais, mais cedo ou mais tarde vão se impor.
Em um mundo achatado por vertiginosas transformações tecnológicas, que possibilitaram a transferência de boa parte da produção industrial do Ocidente para a China e dos serviços para a Índia, resistir à força da gravidade representada pelas reformas é o mesmo que ignorar a lei da mecânica cósmica, descoberta por Newton.
O Brasil não é um país pequeno, rico em recursos naturais como o gás ou o petróleo: se quiser imitar alguns de seus vizinhos e continuar isolado, à margem dos paradigmas de competitividade do mercado global, será certamente atropelado, quando a euforia na economia mundial se acabar, por uma crise cambial ou no balanço de pagamentos. E acabará tendo que corrigir o rumo, por bem ou por mal.
Por isso, é melhor tomar as rédeas do processo do que seguir a seu reboque. Neste momento em que renascem as esperanças, como em todo início de governo, é preciso aproveitar para fazer as reformas pela via do diálogo com a sociedade. Tenho a esperança de que os ressentimentos da campanha eleitoral possam ser deixados de lado e que governo e oposição possam dialogar em torno daquilo que é essencial e substantivo, fazendo, inclusive, concessões de ambos os lados, em prol do Brasil.
Ao final do romance que lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura, o escritor colombiano Gabriel García Márquez diz que "os povos condenados a cem anos de solidão não terão outra chance sobre a Terra". Antes que nos transformemos numa imensa Macondo, deitada eternamente num berço cada vez menos esplêndido, precisamos romper o isolamento e superar o anacronismo que nos tem condenado a uma posição subalterna na globalização.


ABRAM SZAJMAN, 67, empresário, é presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc e do Senac.

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