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TENDÊNCIAS/DEBATES
Lei natural impõe reformas
ABRAM SZAJMAN
A transferência purae simples de recursos deve ser gradativamente substituída pela geração de emprego e renda
A DISPUTA eleitoral que mobilizou o país deu lugar ao debate
de temas que apenas foram
tangenciados durante a campanha,
como a reforma da Previdência Social, e que são cruciais para se definir
os rumos do governo no segundo
mandato. A questão central deste debate é a seguinte: conseguiremos
emergir do nível de crescimento medíocre de 2,5% ao ano, verificado no
último quarto de século, para os 5%
anunciados pelo presidente reeleito,
ou o nosso distanciamento em relação ao mundo prevalecerá?
O primeiro mandato que ora termina caracterizou-se pelo controle da
inflação, bons resultados nas transações externas e crescimento do nível
de emprego (ainda que modesto), fatores aliados a programas assistenciais como o Bolsa Família. Esta mescla de controle monetário rígido com
assistencialismo rendeu seus frutos,
tirou uma parcela expressiva da população da linha da miséria e acabou
por merecer o reconhecimento da
maioria do eleitorado, em especial de
suas franjas mais humildes.
Ocorre, porém, que este modelo pede um complemento, sob o risco de
desmoronar aos primeiros ventos
contrários no panorama internacional, até agora excepcionalmente favorável. No aspecto econômico, salta
aos olhos que a estabilidade não pode
depender das mais altas taxas de juros do mundo. E no social, a transferência pura e simples de recursos, de
caráter emergencial, deve ser gradativamente substituída pela geração de
emprego e renda, de modo a incorporar, de maneira definitiva, milhões de
pessoas a um mercado interno que
precisa ser urgentemente ampliado.
Assim, o Brasil está hoje numa encruzilhada semelhante à que viveu no
século 19, quando foi a última nação a
abolir o trabalho escravo. O que precisamos libertar hoje, como já fizeram
os países emergentes que mais crescem no mundo, é o espírito empreendedor dos brasileiros, por meio de um
ambiente mais favorável aos investimentos, públicos e privados, nacionais ou estrangeiros.
Não é mais possível desconhecer
que a economia é regida por leis naturais, que estabelecem sanções quando
são desrespeitadas. Estamos pagando
com o atraso do nosso povo e do nosso
comércio externo pela burocracia
que sufoca a atividade empresarial.
Pela carga tributária brutal que empurra as empresas para a informalidade. Pelas leis trabalhistas que garantem muito a poucos, e nada para
quem não tem carteira assinada. Pela
ausência de reformas que, como leis
naturais, mais cedo ou mais tarde vão
se impor.
Em um mundo achatado por vertiginosas transformações tecnológicas,
que possibilitaram a transferência de
boa parte da produção industrial do
Ocidente para a China e dos serviços
para a Índia, resistir à força da gravidade representada pelas reformas é o
mesmo que ignorar a lei da mecânica
cósmica, descoberta por Newton.
O Brasil não é um país pequeno, rico em recursos naturais como o gás
ou o petróleo: se quiser imitar alguns
de seus vizinhos e continuar isolado, à
margem dos paradigmas de competitividade do mercado global, será certamente atropelado, quando a euforia
na economia mundial se acabar, por
uma crise cambial ou no balanço de
pagamentos. E acabará tendo que
corrigir o rumo, por bem ou por mal.
Por isso, é melhor tomar as rédeas do
processo do que seguir a seu reboque.
Neste momento em que renascem as
esperanças, como em todo início de
governo, é preciso aproveitar para fazer as reformas pela via do diálogo
com a sociedade. Tenho a esperança
de que os ressentimentos da campanha eleitoral possam ser deixados de
lado e que governo e oposição possam
dialogar em torno daquilo que é essencial e substantivo, fazendo, inclusive, concessões de ambos os lados,
em prol do Brasil.
Ao final do romance que lhe valeu o
Prêmio Nobel de Literatura, o escritor colombiano Gabriel García Márquez diz que "os povos condenados a
cem anos de solidão não terão outra
chance sobre a Terra". Antes que nos
transformemos numa imensa Macondo, deitada eternamente num
berço cada vez menos esplêndido,
precisamos romper o isolamento e
superar o anacronismo que nos tem
condenado a uma posição subalterna
na globalização.
ABRAM SZAJMAN, 67, empresário, é presidente da
Federação do Comércio do Estado de São Paulo e dos
conselhos regionais do Sesc e do Senac.
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