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Para quê mais evidências
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Neste país, se escolheu o modelo equivocado: as políticas públicas favorecem os mais aquinhoados, e aos pobres se dão gorjetas
SAEB, SARESP, Preal, Pisa, Unicef,
Unesco, Prova Brasil e outras
formas de avaliação mostram
que há 15 anos os resultados da educação infantil e fundamental públicas
são precários e, o que é pior, não melhoram. Até quando vamos continuar
avaliando, avaliando..., só avaliando?
Quase todas as tentativas de correção têm ocorrido dentro da sala de aula, com a maior dedicação dos professores, porém, com reduzido sucesso
porque não levam em conta o ambiente onde essas crianças estão inseridas, suas precárias condições de
saúde e a demanda reprimida, iníqua,
do ensino infantil. O IBGE mostrou
que apenas 8% das famílias com meio
salário mínimo per capita (40% das
famílias com crianças) têm filhos em
creche. Quando a renda sobe para três
salários, a creche existe para 36%.
Recentemente, a Unicef estudou as
33 escolas mais bem avaliadas na Prova Brasil, de um conjunto de 41 mil, e
procurou verificar as variáveis comuns que poderiam explicar seu sucesso. A principal delas foi a existência de projetos pedagógicos extracurriculares ligados ao cotidiano das
crianças, com atividades culturais e
esportivas, envolvimento da comunidade, das universidades próximas e
dos pais, usando o tempo do pós-escola. Todos como iniciativa "irreverente e autônoma" da própria escola.
Outras características foram professores empenhados e alunos interessados. Claro, "professores empenhados" é a razão da inovação e "alunos
interessados" é a sua conseqüência.
Já havíamos percebido isso no Profic (Programa de Formação Integral
da Criança), realizado em São Paulo
no governo Montoro (1983-87). Os
alunos que estavam em tempo integral nas escolas públicas (514.000),
comparados com os que faziam tempo parcial, tiveram melhor rendimento escolar e mudanças mais favoráveis no comportamento e na saúde
-em que pese o fato de que o critério
de escolha para o Profic foi pior rendimento escolar e pobreza.
Uma contraprova ocorreu no colégio Porto Seguro, que fica na zona sul
de São Paulo. As crianças pertencentes à classe média alta estudam com
70 crianças (por série) da favela Paraisópolis, que não pagam, mas têm
rigorosamente o mesmo ensino. Neste ano, a primeira turma da qual os
alunos carentes fazem parte terminou o secundário e foi prestar vestibular nas universidades públicas. Resultado: um número significante ingressou, mas nenhum era da favela. A
diferença de resultado não ocorreu
pela sala de aula, que foi a mesma,
mas pelo ambiente onde eles estão inseridos. Ao contrário dos demais, os
alunos da favela não têm pais leitores,
livros e, muito menos, computador
em casa. No pós-escola, eles não têm
aulas de reforço, de línguas, tampouco férias ou fins de semana pedagógicos.
Além disso, a saúde dessas crianças é mal cuidada. Recentemente, um
matemático de Harvard mostrou que
a escola é responsável por apenas
20% da formação das crianças.
Tudo isso, prova e contraprova,
com variadas evidências, que a salvação da educação fundamental pública
brasileira só se fará oferecendo às
crianças mais carentes um ensino cujas características sejam vicariantes
às suas deficiências sociais, usando
seu tempo pós-aula, aproveitando pedagogicamente as riquezas culturais e
esportivas das cidades e dando às escolas liberdade e condições de usá-las. Foi o que a Unicef evidenciou. Esse é o princípio do "São Paulo é uma
Escola", que iniciamos com José Serra na Prefeitura, incluindo a passagem de recursos financeiros, para dar
autonomia às unidades escolares e
um contato concreto com as universidades próximas, que nos cedem, inclusive, estagiários para o processo de
alfabetização. Esse é também o verdadeiro sentido de políticas compensatórias, que devem ser construídas por
dentro das políticas públicas, dando
um pouco mais para quem tem menos, para compensar diferenças, igualar oportunidades e criar desenvolvimento sustentado. Neste país, se escolheu o modelo equivocado: as políticas públicas favorecem os mais
aquinhoados, e aos pobres se dão gorjetas.
Só não enxerga o caminho correto
quem não quer ver, ou não quer ter o
trabalho difícil de implementar políticas públicas inteligentes e socialmente construídas.
A universidade tem um papel a
cumprir na melhora do ensino básico
e os seus dirigentes estão cônscios
disso. Essa será uma das tarefas da
nova secretaria, que terei a honra de
dirigir.
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 72, deputado federal licenciado pelo PFL-SP, é secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo, professor emérito da USP e da Unicamp e presidente do Instituto Metropolitano de Altos Estudos. Foi secretário da Educação do município de São
Paulo (2005-2006), secretário da Educação (1986-87) e da
Saúde (1987-91) do Estado de São Paulo, presidente da
Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia
(1986-1992) e reitor da Unicamp (1982-86).
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