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TENDÊNCIAS/DEBATES
O combate ao aquecimento global depende das decisões tomadas nas conferências da ONU?
SIM
Da Dinamarca ao México
LUIZ PINGUELLI ROSA
A
CONFERÊNCIA de Copenhague deixou um saldo de questões para serem resolvidas até
a próxima reunião, no México, em
2010. Uma delas é a recusa da China
em ter inspeção internacional das reduções voluntárias de emissões. Outra é de onde virão os recursos para compensar as reduções de desmatamento feitas pelo Brasil.
Os países desenvolvidos ameaçaram dar o calote climático: queriam
extinguir o Protocolo de Kyoto, pois a
maioria não está cumprindo as metas
a que se obrigaram. Faltou na reunião
uma liderança de nível global, que não
foi assumida por Obama, contrariando expectativas. Lula preencheu esse
vácuo. Embora sua primeira intervenção tenha sido muito técnica, na
segunda falou de improviso e arrancou aplausos calorosos. Protestou
contra o rumo em que ia a conferência, em direção ao fracasso que acabou ocorrendo, e responsabilizou a
intransigência dos países ricos, que não queriam abrir mão de nada.
O que se passou entre os dois discursos tão diferentes de Lula? Quando ele chegou a Copenhague, as coisas iam de mal a pior. Após dias de trabalho dos grupos e de plenárias, o governo dinamarquês colocou um substitutivo que não contemplava as preocupações dos países do G77, formado
pelos países em desenvolvimento, em que se incluem Brasil, África do Sul, Índia e China (designados pela sigla Basic). O documento aventado pela Dinamarca representava os interesses do Japão, da América do Norte, da Austrália e da Europa (Jane). A disputa entre Jane e Basic, coadjuvado pelo
G77, paralisou tudo. Para tentar romper o impasse, Lula encontrou-se
com o primeiro-ministro dinamarquês, que retirou o tal substitutivo. A
plenária e os grupos voltaram a se
reunir, mas o tempo era curto. Articulado com o presidente francês, Sarkozy, Lula promoveu uma reunião
noite adentro com um conjunto de
países: os do tipo Jane, Basic e outros
do G77. Mas a proposta desse conjunto não foi aceita na reunião final de todos os chefes de Estado.
Seria um erro atribuir todo o mérito desse esforço a Lula, pois muita
gente participou do processo. O Brasil
não chegou a Copenhague com as
mãos abanando. Levou a posição de
reduzir voluntariamente, em 2020,
suas emissões em até 38,9% do projetado para aquele ano (2,7 gigatoneladas -Gt- de CO2 equivalente). Portanto, em 2020, deverão ser reduzidas a 1,7 Gt de CO2. Em 2005, o Brasil
emitiu 2,2 Gt; logo, em 2020, deverá
emitir 22,7% a menos. Comparando, os EUA cogitam para 2020 emitir apenas 17% a menos do que em 2005.
Segundo levantamento mostrado
pelo WWF e pelo Greenpeace no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, em Copenhague, o total dos abatimentos de emissões pelos países do
Anexo 1 é de apenas 3,15 Gt CO2, valor
muito abaixo das recomendações do IPCC para limitar o aumento da temperatura global em 2º C.
A redução proposta pelo Brasil não
veio do nada, mas de um cálculo da
equipe da Secretaria de Mudanças
Climáticas do Ministério do Meio
Ambiente, a cargo da professora da
Coppe Suzana Kahn Ribeiro, com a
participação dos ministérios das Relações Exteriores, da Ciência e Tecnologia, de Minas e Energia e da Agricultura e de instituições de pesquisa
-Coppe, Inpe, Embrapa e EPE-,
com supervisão da Casa Civil. A decisão foi fruto de reuniões com o presidente da República. Uma lei aprovada agora no Congresso incorporou as
metas do Plano Nacional de Mudança Climática, aprovado no fim de
2008, iniciado na gestão da ministra Marina Silva e elaborado na do ministro Minc.
O Brasil, além de enfrentar a questão do clima, tem de eliminar a pobreza. Um Brasil é o dos ricos e da
classe média, os que emitem alta
quantidade de CO2 per capita. O outro é o daqueles que vão dos miseráveis, que mal têm onde morar, até os remediados. Esses emitem pouco CO2 per capita, alguns nem têm energia elétrica. Na fronteira entre esses dois Brasis ficam os que saíram da pobreza nos últimos anos, que melhoraram muito, mas não a ponto de se tornarem grandes emissores.
O relatório do IPCC de 2007 aponta as políticas públicas como a forma
mais eficaz de atuação a curto e a médio prazos. Para construir um mundo
sustentável e justo temos que fazer
mudanças em cada país e, ao mesmo
tempo, buscar o entendimento entre
as nações, pois o problema do clima é
global. Para isso, a ONU precisa ser
fortalecida com novos instrumentos.
LUIZ PINGUELLI ROSA, 67, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e
secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Foi presidente da Eletrobrás (2003-04).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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