São Paulo, sábado, 02 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


O combate ao aquecimento global depende das decisões tomadas nas conferências da ONU?

NÃO

Mudança virá logo, mas unilateral

ROBERTO SMERALDI

A PERCEPÇÃO de fracasso a respeito de Copenhague revela perigoso descompasso na compreensão do processo e pode ter efeitos de desmobilização injustificada. Um pessimismo realista ajuda na análise consciente; já a desilusão paralisa. Durante meses, tentei alertar que era impossível qualquer acordo em Copenhague. Avanços nesta área não podem ser gerados por negociações diplomáticas: elas refletem, e não antecipam, decisões políticas e tendências econômicas. Negociações filtram e mitigam os desafios, raramente os amplificam, como acontece com o pioneirismo dos líderes.
É tarefa dos diplomatas ratificar e organizar decisões oriundas da liderança. O multilateralismo da ONU não foi feito para mudar o mundo, mas para evitar que as mudanças gerem injustiças e abusos. Exigir dele algo diferente o desmoraliza.
Também liderança não se exerce de forma concertada ou negociada. Ela implica assumir riscos e apontar para caminhos novos. Os demais vão atrás, para evitar que o líder ganhe uma vantagem competitiva expressiva. É como a turma de meninos à beira do lago, aguardando que alguém pule. Ao verem o primeiro dar braçadas, todos pularão, e ninguém vai segurá-los.
Para um líder sair na frente, precisa ter suficiente confiança de que sua própria economia é bem posicionada e preparada para aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo novo caminho. E, para ser líder, um país precisa ter massa crítica em termos de participação nas emissões, nos mercados financeiros e, ainda, nos mercados das tecnologias a serem adotadas na economia de transição para o baixo carbono. Há apenas três atores com tais características: EUA, Europa (como bloco) e China. Outros três -Brasil, Japão e Índia- reúnem condições significativas, mas não suficientes. Os demais são coadjuvantes, assim como, individualmente, os países europeus. E os que poderiam pular não estavam prontos a dar o pulo (mas estão próximos).
As condições para desencadear uma corrida competitiva para a economia de baixo carbono aumentam de forma gradativa, apesar dos impasses diplomáticos. Copenhague -em sua dimensão midiática, longe de ser um fracasso- também contribuiu. É peculiar que parte do pesadelo logístico foi devido a uma imprevista e inédita invasão empresarial. Não tinham muito o que fazer lá, mas foram: para eles, era mais uma feira de negócios que um evento da ONU. E, a despeito das choradeiras sobre o fracasso, o preço do carbono não despencou, sofrendo oscilações que o levaram de volta aos níveis de novembro.
Para evitar um repeteco de expectativas na Cidade do México, teríamos que desencadear a mudança antes, por meio de um imposto sobre carbono e/ou um pacote de estímulo subsidiado à economia descarbonizada, nas proporções daquele realizado recentemente para a indústria financeira, ou seja, na ordem dos trilhões.
Pode haver outras formas de fazer isso. Mas o que interessa é que elas serão medidas unilaterais, e não negociadas, que devem se materializar ao longo dos próximos dois anos.
Em seguida, os foros multilaterais negociarão as regulações para tanto, abandonando a atual lógica, furada, de alocar sacrifícios. A negociação deverá tratar, ao contrário, de limitar desequilíbrios e impactos indesejados que a transição econômica acelerada irá gerar nos mais fracos. E a verdadeira conta para dividir será aquela da adaptação, não a da mitigação.
O Brasil avançou, apesar de tudo: lá fora, nosso presidente assumiu liderança, mesmo em contradição com o seu comportamento aqui, onde vetou até a norma que previa "paulatina" substituição dos fósseis na lei de clima. Parece que o compromisso da lei paulista lhe deu segurança: não por politicismo eleitoreiro, e sim por se tratar de parcela expressiva e norteadora da nossa economia.
A Califórnia acabará tendo impacto semelhante sobre o governo dos EUA.
E o Brasil pode começar já a dar o pulo nas cadeias que domina -como a da carne- ou que pode vir a dominar, como a da biomassa.


ROBERTO SMERALDI, 49, jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do "Novo Manual de Negócios Sustentáveis" (Publifolha, 2009).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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