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TENDÊNCIAS/DEBATES
O combate ao aquecimento global depende das decisões tomadas nas conferências da ONU?
NÃO
Mudança virá logo, mas unilateral
ROBERTO SMERALDI
A PERCEPÇÃO de fracasso a respeito de Copenhague revela
perigoso descompasso na
compreensão do processo e pode ter
efeitos de desmobilização injustificada. Um pessimismo realista ajuda na
análise consciente; já a desilusão paralisa. Durante meses, tentei alertar
que era impossível qualquer acordo
em Copenhague. Avanços nesta área
não podem ser gerados por negociações diplomáticas: elas refletem, e
não antecipam, decisões políticas e
tendências econômicas. Negociações
filtram e mitigam os desafios, raramente os amplificam, como acontece com o pioneirismo dos líderes.
É tarefa dos diplomatas ratificar e organizar decisões oriundas da liderança. O multilateralismo da ONU
não foi feito para mudar o mundo,
mas para evitar que as mudanças gerem injustiças e abusos. Exigir dele algo diferente o desmoraliza.
Também liderança não se exerce de
forma concertada ou negociada. Ela
implica assumir riscos e apontar para
caminhos novos. Os demais vão atrás,
para evitar que o líder ganhe uma
vantagem competitiva expressiva. É
como a turma de meninos à beira do
lago, aguardando que alguém pule. Ao
verem o primeiro dar braçadas, todos pularão, e ninguém vai segurá-los.
Para um líder sair na frente, precisa
ter suficiente confiança de que sua
própria economia é bem posicionada
e preparada para aproveitar as oportunidades proporcionadas pelo novo
caminho. E, para ser líder, um país
precisa ter massa crítica em termos
de participação nas emissões, nos
mercados financeiros e, ainda, nos
mercados das tecnologias a serem
adotadas na economia de transição
para o baixo carbono. Há apenas três
atores com tais características: EUA,
Europa (como bloco) e China. Outros
três -Brasil, Japão e Índia- reúnem
condições significativas, mas não suficientes. Os demais são coadjuvantes, assim como, individualmente, os países europeus. E os que poderiam pular não estavam prontos a dar o pulo (mas estão próximos).
As condições para desencadear
uma corrida competitiva para a economia de baixo carbono aumentam
de forma gradativa, apesar dos impasses diplomáticos. Copenhague -em
sua dimensão midiática, longe de ser
um fracasso- também contribuiu. É
peculiar que parte do pesadelo logístico foi devido a uma imprevista e inédita invasão empresarial. Não tinham muito o que fazer lá, mas foram: para
eles, era mais uma feira de negócios
que um evento da ONU. E, a despeito
das choradeiras sobre o fracasso, o
preço do carbono não despencou, sofrendo oscilações que o levaram de volta aos níveis de novembro.
Para evitar um repeteco de expectativas na Cidade do México, teríamos que desencadear a mudança antes, por meio de um imposto sobre
carbono e/ou um pacote de estímulo
subsidiado à economia descarbonizada, nas proporções daquele realizado recentemente para a indústria financeira, ou seja, na ordem dos trilhões.
Pode haver outras formas de fazer isso. Mas o que interessa é que elas serão medidas unilaterais, e não negociadas, que devem se materializar ao longo dos próximos dois anos.
Em seguida, os foros multilaterais negociarão as regulações para tanto, abandonando a atual lógica, furada, de alocar sacrifícios. A negociação deverá tratar, ao contrário, de limitar
desequilíbrios e impactos indesejados que a transição econômica acelerada irá gerar nos mais fracos. E a verdadeira conta para dividir será aquela da adaptação, não a da mitigação.
O Brasil avançou, apesar de tudo: lá
fora, nosso presidente assumiu liderança, mesmo em contradição com o
seu comportamento aqui, onde vetou
até a norma que previa "paulatina"
substituição dos fósseis na lei de clima. Parece que o compromisso da lei
paulista lhe deu segurança: não por
politicismo eleitoreiro, e sim por se
tratar de parcela expressiva e norteadora da nossa economia.
A Califórnia acabará tendo impacto semelhante sobre o governo dos EUA.
E o Brasil pode começar já a dar o pulo nas cadeias que domina -como a
da carne- ou que pode vir a dominar, como a da biomassa.
ROBERTO SMERALDI, 49, jornalista, é diretor da Oscip
Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do "Novo
Manual de Negócios Sustentáveis" (Publifolha, 2009).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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