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PAI DOS POBRES
É um desafio tentar compreender por que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva não arreda pé de
sua proposta equivocada de política
social chamada Fome Zero. Uma série de críticas tem sido dirigida ao
programa desde que foi proposto,
no segundo semestre de 2001, quando Lula era apenas um pré-candidato
à Presidência. O silêncio do núcleo
petista que defende o Fome Zero em
relação a essas críticas ou a sua opção por rebatê-las com alegorias do
tipo "é preciso dar o peixe e ensinar a
pescar" não elucidam a questão.
Qual o sentido de um partido que
teve um papel de vanguarda na formulação da nova geração de programas sociais brasileiros propor-se a
retomar práticas clientelistas, assistencialistas e autoritárias quando assume a Presidência? A dúvida faz
pensar que talvez não tenha sido um
fruto do acaso Lula ter recorrido ao
estratagema retórico de se apresentar como o líder que tratará os pobres
como seus filhos.
Organizar estruturas burocráticas
para verificar se o pobre usou seu benefício nos alimentos permitidos e
para castigar os faltosos até com a
exclusão do programa é uma transferência para o terreno da política de
uma relação de tutela que pais normalmente exercem sobre filhos.
Agora se fala que os beneficiários
não mais precisarão comprovar com
notas e recibos as suas compras, bastando uma declaração oral de seus
gastos endossada por, pelo menos,
uma testemunha.
O que seria uma banca de conferência de comprovantes de compra,
portanto, se tornaria, nessa versão
supostamente mais "light", um tribunal alimentar inquisidor em que o
réu (o pobre) teria de convencer o
juiz (os gestores locais) de que não
comeu do fruto proibido. O patético
se tornaria mais patético.
Seria mais simples e digno reconhecer como desastrosa a idéia de
que os pobres que fazem jus ao benefício têm de ser tutelados por conselhos gestores (de inspiração cubana?) ou por quem quer que seja.
Na era dos direitos sociais, o acesso
a uma renda mínima deve ser entendido como uma conquista inalienável dos cidadãos. Pelo fato de ser brasileiro e de não auferir rendimentos
considerados minimamente suficientes, o cidadão tem o direito de receber um complemento de renda e
não deve satisfação a ninguém sobre
o uso desse dinheiro. Esse deveria ser
o objetivo da política social brasileira. Ele teria, evidentemente, de ser alcançado em etapas, agregando e
substituindo programas já existentes, constituindo um cadastro único
de beneficiados e acoplando-se a serviços como saúde e educação de
acordo com o perfil familiar.
A cisma de Lula e alguns de seus assessores com a concepção ultrapassada do Fome Zero, se persistir, fragmentará ainda mais a política social
brasileira, abrirá margem para o arbítrio e o clientelismo local, levará à
superposição de programas e gerará
enormes e desnecessários custos administrativos, desperdiçando escassos recursos humanos e financeiros.
O Fome Zero, por ora, se resume a
um bom projeto de marketing. Os
aplausos nacionais e internacionais
-parte destes certamente devida à
atribuição de um padrão africano à
realidade brasileira- à cruzada de
Luiz Inácio Lula da Silva contra a fome podem estar contribuindo para
que o governo ignore as críticas. Não
há marketing nem aplausos, porém,
capazes de disfarçar o caráter conservador e autoritário do Fome Zero.
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