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JOSÉ SARNEY
Parlamento de roupa nova
ONTEM instalou-se uma nova legislatura. Longe está o
tempo em que esse fato não
era tido como o exercício da rotina
da democracia representativa. O
Brasil atravessou o seu gargalo político com absoluta tranqüilidade e
sabedoria. Muitas nações ainda patinam nessa direção, algumas com
grande desenvolvimento econômico. A China em algum momento terá de confrontar-se com a liberdade política. Na antiga Cortina de
Ferro, muitos países ainda têm hipotecas democráticas a pagar.
O Brasil foi a mais exitosa transição de um regime autoritário para
a plenitude democrática. Com tal
vigor e com tamanha solidez que
nos tornamos uma grande democracia, com mais de cem milhões
de eleitores a votar sem problemas.
Instala-se a nova legislatura com
a posse dos deputados e de um terço do Senado. A legislatura que se
encerra não deixa saudades. Será
lembrada sempre pelos inúmeros
erros de alguns deputados, com fatos que jamais podíamos pensar
que acontecessem e, revelados,
causaram grande impacto na opinião pública e prejudicaram a imagem do Parlamento.
O Legislativo é sempre um grande alvo. Pode ser o pior possível,
mas é melhor do que não ter nenhum. Em grande parte ele reflete
a sociedade. É o único poder cujas
decisões são tomadas abertamente, sob os olhos da nação. Por isso
ele pode ser fiscalizado com maior
rigor. Muitas vezes foi vítima de
grandes violências. Foi fechado, o
que nunca aconteceu com os outros Poderes. Antigamente, pela
força. Hoje, com a comunicação em
tempo real, é alvo de violências de
massa. Há alguns meses tivemos o
episódio lamentável de depredação e invasão da Câmara. No Equador, o novo presidente instiga seu
fechamento pelo povo, que a ocupa
e destrói. Na Venezuela, há a Câmara unânime, que se reúne acocorada na rua para delegar seu poder de fazer leis ao presidente. Na
Bolívia, a situação não é diferente,
e o Parlamento está sob pressão
popular, a ameaçá-lo, ditando como deve comportar-se.
Mas a verdade é que o Parlamento é o coração da democracia. Sem
Parlamento não existe democracia, e com Parlamento fraco a democracia é frouxa.
Que os novos parlamentares -e
os que retornam- tenham a consciência dos seus deveres morais e
de suas responsabilidades políticas. A instituição parlamentar, hoje, não está em crise: está totalmente destituída de respeitabilidade pública. A tarefa de restaurá-la é
dos eleitos, mas a de preservá-la é
do povo. Quando o Parlamento não
existe, as liberdades estão em risco.
Não queremos que o nosso seja
igual ao de Caracas, de Quito ou de
La Paz. Nem que seja como foi nos
últimos quatro anos. Roupa nova e
limpa é o que pede o país.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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