São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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ROBERTO DIAS

d.C.

QUEM sabe o ano comece de fato depois do Carnaval, como diz a religião brasileira. É possível que neste início de 2008 o governo consiga finalmente saciar a fome do PMDB por cargos em estatais. É provável que o Planalto enfim apresente sua idéia de reforma tributária, o que decerto fará surgir redobrado o apetite da, por assim denominar, base aliada. Seria uma encruzilhada e tanto.
Caso o governo leve mesmo a sério a idéia de que esse é seu "grande projeto", coisa nada assegurada, serão perpetrados edificantes capítulos de discussão política.
Mal dá para adivinhar o que a maior parte dos congressistas tem a dizer sobre desoneração, custo do crédito, guerra fiscal, incentivo à exportação. Mas dá bem para saber o que realmente importará -basta voltar ao microcosmo de debate tributário da época da CPMF.
Entre uma lágrima de Adib Jatene e um arroubo de Paulo Skaf, era possível admirar os argumentos de gente como o líder do PP, Mário Negromonte, que esgrimiu em público a frase "a bancada está sendo mais atendida e isso vai refletir na aprovação". (É verdade que ele até demonstrou orgulho republicano: "Hoje conversei com o ministro Walfrido e nem falei de cargos".)
Impossível esquecer, ainda, a cena em que o líder do PR, Luciano Castro, sentava-se no plenário do Senado para garimpar o voto de um correligionário. A falta de cerimônia de sua fala chega a emocionar: "Devemos ter o voto dele. Com carinho, amizade e muito amor".
Democrático e indispensável, o trâmite pelo Congresso não deixa de ser cruel. Mas, se desistir de recorrer à pena da galhofa fisiológica, restará ao governo a tinta da melancolia. Qual seja, enfiar seu projeto de impostos no saco onde jazem a reforma política, a segunda mudança previdenciária e a disposição do governo Lula de confrontar interesses.
Uma situação ridícula, para economizar adjetivo, se lembrada a ênfase com que o presidente tratou da reforma tributária. Lula sinalizou (ou encenou?) preocupação com isso. Neste pré-2008, cobrou, igualmente sem cerimônia, ação política de seus ministros. Passo seguinte, José Múcio, o ministro para assuntos dessa natureza, acenou com mais rapidez no gatilho das nomeações para adoçar a agenda no Congresso.
Fica mal para o homem de 58 milhões de votos o papel de refém da fisiologia. Lula sorve-a com gosto na Câmara. E a oferece, tal como brigadeiro em festa de criança, no Senado. Quando a coisa engripa, como nos nomes do PMDB para Petrobras e Eletrobrás, lava as mãos. Não há registro de que tenha tentado discutir a relação.
Num país de Constituição exageradamente engessada e grande distância entre eleito e eleitor, o pique de PMDB e demais consoantes não termina jamais. E, assim como o salseiro de impostos, esse Carnaval nunca tem seu fim.


ROBERTO DIAS é editor-assistente de Brasil .


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