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RUY CASTRO
A última do carioca
RIO DE JANEIRO - O carioca às
vezes se cansa do abandono a que é
relegado pelo poder público e sai de
seus cuidados para reinventar a si
próprio ou à cidade. Foi assim que,
de dez anos para cá, sem um centavo oficial, ele salvou a Lapa da morte a que ela fora condenada pelo
desprezo de várias gerações de administradores e transformou-a no
que é hoje: o bairro mais vivo e
vibrante do Rio.
Às 10 da noite, às 2 da madrugada
ou, pelo que escuto dizer, às 6 da
matina, o movimento é igual: a avenida Mem de Sá e as ruas do Lavradio e do Riachuelo duras de gente,
com tudo funcionando -bares, restaurantes, gafieiras, casas de shows,
templos de sinuca. Seu público tem
gente de todas as origens, classes
sociais, cores e sexos. É de novo a
Copacabana dos anos 50, exceto
que com chope, jeans e shortinhos
em vez de uísque, gravata e decotes,
samba no lugar do fox e Teresa
Cristina no de Dolores Duran.
Mas, para que não se pense que a
Lapa é só uma grande fuzarca, diga-se que, em sua vida civil, durante o
dia, ela tem também farmácia, quitanda, floricultura, editora de livros, escola de teatro, loja maçônica, uma igreja tricentenária, vários
museus, dezenas de antiquários.
Gente famosa mora na Lapa e há
edifícios residenciais em construção. Logo será um dos IPTUs mais
caros do Rio. Mas isso não garante
que o poder público passe a fazer
por lá o que já não faz, hoje, no resto
da cidade: recolher o lixo, melhorar
a iluminação, disciplinar os ambulantes, conter a desordem urbana.
É por essa grita contra a atual desadministração, sentida em todos
os bairros, que o carioca apresenta a
sua última invenção: o boicote ao
IPTU. Não é um calote, mas um
protesto enfático -e fácil de ser
adotado por qualquer cidade que se
sinta, como o Rio, entregue a si própria. Então, quem sabe, os prefeitos
aprenderão.
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