|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Existe relação entre Carnaval e DST?
SIM
O risco de não prevenir
PEDRO CHEQUER
FOI COM surpresa e preocupação
que a Coordenação do Unaids
(Programa Conjunto das Nações
Unidas sobre HIV e Aids) no Brasil
recebeu a afirmação de que não há relação entre Carnaval e aumento das
doenças sexualmente transmissíveis,
segundo pesquisa da UFF, tomando
como referência dados locais, não representativos da realidade nacional.
Alguns aspectos devem ser considerados. Analisando os dados do Centro de Referência e Treinamento em
DST/Aids de São Paulo, por exemplo,
verificamos que há um aumento de
casos confirmados de DST nos meses
de março e abril entre os anos de
2006 e 2007. Nota-se, também, um
aumento de demanda para investigação de possível DST no mesmo período -reflexo, certamente, de um aumento de práticas sexuais de risco.
No Estado de São Paulo como um
todo, observa-se um aumento de notificações de DST em março e outubro no período de 2000 a 2005.
Nem a pesquisa da UFF recém-difundida nem os dados que ora apresentamos podem ser utilizados para
inferência externa. Ou seja, os dados
não representam o que se passa em
outros serviços de saúde ou Estados
do Brasil. Extrapolar essas realidades
locais para o nível nacional seria ingenuidade científica, carente de fundamentação epidemiológica.
A prevenção das DST, incluindo a
infecção pelo HIV, repousa, fundamentalmente, no uso consistente e
adequado do preservativo. Assim, toda oportunidade favorável à sua difusão deve ser utilizada.
Seguramente, a situação ideal seria
o uso dos meios de comunicação de
modo permanente como mecanismo
de difusão da informação. Temos claro que a atividade educativa com vistas à mudança de comportamento é
complexa e deve ser complementada
nas diversas oportunidades -a partir
de serviços de saúde, locais de trabalho, escolas, ambiente familiar etc.
As DST, incluindo a infecção pelo
HIV, têm incidência predominantemente associada a aspectos comportamentais. No caso da infecção pelo
vírus da Aids, sífilis e hepatites, muito
se avançou nas medidas de controle
para reduzir a transmissão sangüínea, notadamente por transfusão de
sangue e hemoderivados.
A transmissão vertical do HIV
-aquela que ocorre de mãe para filho
durante a gravidez, o parto e/ou a
amamentação- dispõe, hoje, do que
poderíamos chamar de uma "quase
vacina"; e a sífilis congênita é totalmente evitável, seja por intermédio
da prevenção primária, seja do tratamento oportuno e adequado.
Entretanto, a transmissão sexual
desses agravos ainda perdura como
uma importante barreira a vencer,
em que pesem os avanços observados
em todo o mundo e, particularmente,
no Brasil.
No que concerne à transmissão sexual, erroneamente pode-se considerar que a maior freqüência de relações sexuais venha a ser um fator, por
si só, gerador de mudanças na sua
ocorrência. Ou seja, a prática de relações sexuais com maior freqüência ou
mesmo concentrada em determinado
período poderia causar mudanças na
tendência observada ao longo de um
determinado período.
Digo erroneamente porque essa
premissa pode vir a ser completamente equivocada caso não se levem
em consideração aspectos de reconhecida comprovação científica
quanto a sua eficácia enquanto método de prevenção: o uso consistente e
adequado do preservativo. Em outras
palavras, o aumento da ocorrência de
DST em um determinado período pode não ocorrer, apesar de uma maior
freqüência de atividade sexual nas
condições acima descritas.
Nesse contexto, o Brasil tem sido
considerado pelo Unaids e por diversos organismos internacionais referência mundial no enfrentamento da
epidemia de Aids, seja na política de
acesso ao preservativo, seja nas ações
de prevenção, que, no país, acontecem ao longo do ano.
Apesar dos reconhecidos méritos,
muito há que avançar com vistas ao
acesso universal à prevenção e atenção à saúde. Todavia, as boas práticas
já implementadas no país devem ser
ampliadas e aperfeiçoadas, e não desconsideradas como parte da bem-sucedida estratégia nacional de prevenção às DST e à Aids.
PEDRO CHEQUER , médico epidemiologista, é coordenador do Unaids (braço da ONU para HIV e Aids) no Brasil e ex-diretor do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Mauro Romero Leal Passos e Wilma Nanci Campos Arze: Contra mitos, pesquisas
Índice
|