São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Existe relação entre Carnaval e DST?

SIM

O risco de não prevenir

PEDRO CHEQUER

FOI COM surpresa e preocupação que a Coordenação do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids) no Brasil recebeu a afirmação de que não há relação entre Carnaval e aumento das doenças sexualmente transmissíveis, segundo pesquisa da UFF, tomando como referência dados locais, não representativos da realidade nacional.
Alguns aspectos devem ser considerados. Analisando os dados do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo, por exemplo, verificamos que há um aumento de casos confirmados de DST nos meses de março e abril entre os anos de 2006 e 2007. Nota-se, também, um aumento de demanda para investigação de possível DST no mesmo período -reflexo, certamente, de um aumento de práticas sexuais de risco.
No Estado de São Paulo como um todo, observa-se um aumento de notificações de DST em março e outubro no período de 2000 a 2005. Nem a pesquisa da UFF recém-difundida nem os dados que ora apresentamos podem ser utilizados para inferência externa. Ou seja, os dados não representam o que se passa em outros serviços de saúde ou Estados do Brasil. Extrapolar essas realidades locais para o nível nacional seria ingenuidade científica, carente de fundamentação epidemiológica.
A prevenção das DST, incluindo a infecção pelo HIV, repousa, fundamentalmente, no uso consistente e adequado do preservativo. Assim, toda oportunidade favorável à sua difusão deve ser utilizada. Seguramente, a situação ideal seria o uso dos meios de comunicação de modo permanente como mecanismo de difusão da informação. Temos claro que a atividade educativa com vistas à mudança de comportamento é complexa e deve ser complementada nas diversas oportunidades -a partir de serviços de saúde, locais de trabalho, escolas, ambiente familiar etc.
As DST, incluindo a infecção pelo HIV, têm incidência predominantemente associada a aspectos comportamentais. No caso da infecção pelo vírus da Aids, sífilis e hepatites, muito se avançou nas medidas de controle para reduzir a transmissão sangüínea, notadamente por transfusão de sangue e hemoderivados.
A transmissão vertical do HIV -aquela que ocorre de mãe para filho durante a gravidez, o parto e/ou a amamentação- dispõe, hoje, do que poderíamos chamar de uma "quase vacina"; e a sífilis congênita é totalmente evitável, seja por intermédio da prevenção primária, seja do tratamento oportuno e adequado.
Entretanto, a transmissão sexual desses agravos ainda perdura como uma importante barreira a vencer, em que pesem os avanços observados em todo o mundo e, particularmente, no Brasil.
No que concerne à transmissão sexual, erroneamente pode-se considerar que a maior freqüência de relações sexuais venha a ser um fator, por si só, gerador de mudanças na sua ocorrência. Ou seja, a prática de relações sexuais com maior freqüência ou mesmo concentrada em determinado período poderia causar mudanças na tendência observada ao longo de um determinado período.
Digo erroneamente porque essa premissa pode vir a ser completamente equivocada caso não se levem em consideração aspectos de reconhecida comprovação científica quanto a sua eficácia enquanto método de prevenção: o uso consistente e adequado do preservativo. Em outras palavras, o aumento da ocorrência de DST em um determinado período pode não ocorrer, apesar de uma maior freqüência de atividade sexual nas condições acima descritas.
Nesse contexto, o Brasil tem sido considerado pelo Unaids e por diversos organismos internacionais referência mundial no enfrentamento da epidemia de Aids, seja na política de acesso ao preservativo, seja nas ações de prevenção, que, no país, acontecem ao longo do ano.
Apesar dos reconhecidos méritos, muito há que avançar com vistas ao acesso universal à prevenção e atenção à saúde. Todavia, as boas práticas já implementadas no país devem ser ampliadas e aperfeiçoadas, e não desconsideradas como parte da bem-sucedida estratégia nacional de prevenção às DST e à Aids.


PEDRO CHEQUER , médico epidemiologista, é coordenador do Unaids (braço da ONU para HIV e Aids) no Brasil e ex-diretor do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde.

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