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Existe relação entre Carnaval e DST?
NÃO
Contra mitos, pesquisas
MAURO ROMERO LEAL PASSOS e WILMA NANCI CAMPOS ARZE
NA DÉCADA de 1980, afirmei
que as DST (doenças sexualmente transmissíveis) eram
mais freqüentes em militares, estudantes e após as festas de Carnaval.
Era o que eu achava.
Após inaugurar (1983) programas
de DST em Niterói, São Gonçalo e,
posteriormente (1988), na UFF (Universidade Federal Fluminense), vi
que, depois do Carnaval, não atendia
a mais pacientes.
De colegas estrangeiros, muitas vezes ouço que as mulheres brasileiras
são permissivas. Talvez a abundância
de sensualidade no Carnaval aliada a
campanhas para uso de preservativos
nessa época, entre outras situações,
reforcem o imaginário de que no Carnaval brasileiro tudo é sexo. Fora do
período carnavalesco, apenas em 1º
de dezembro há campanhas sobre
Aids. Campanhas sobre DST e em
épocas variadas ainda estão por vir.
Atuando no setor de DST da UFF,
núcleo de ensino, pesquisa, atendimento público em DST e sede da revista científica "Jornal Brasileiro de
DST", deixamos o "achismo" e buscamos os dados estatisticamente significantes, visto que fomos reconhecidos pelo Programa Nacional de DST e
Aids como Centro Nacional de Treinamento em DST e que atendemos
pelo SUS pessoas de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro.
As estatísticas sobre DST no Brasil
são difíceis. Notificação compulsória
só existe para sífilis congênita e sífilis
na gravidez. Em 2002, publicamos artigo que analisava os diagnósticos de
DST antes e depois do Carnaval. Os
dados não tinham alterações importantes, mas os métodos estatísticos
eram simples e passíveis de críticas.
A dissertação de mestrado intitulada "Distribuição Temporal dos Diagnósticos de Gonorréia, Sífilis e Tricomoníase em uma Clínica de DST em
Niterói-RJ: o Carnaval Influencia no
Aumento das DST?" foi avaliada por
quatro pesquisadores/professores,
que aprovaram, com rigor acadêmico,
os métodos e as análises usadas.
O estudo envolveu 2.646 pacientes,
no período de 1993 a 2005, com diagnóstico das três DST. Na análise, observamos a média padronizada do número de atendimentos para os 13
anos e da série padronizada mês a
mês e ano a ano por métodos para
avaliação de sazonalidade.
Nesse período, o Carnaval foi 11 vezes em fevereiro e duas vezes em março. Não se observou maior número de
casos em fevereiro-abril, época imediatamente posterior ao Carnaval,
que inclui o período de incubação de
três das clássicas DST curáveis. Na
falta de publicações sobre o tema, não
comparamos nossos resultados. Mas
esse estudo servirá de base para
maior conhecimento da situação.
No entanto, em trabalho com 752
foliões no Carnaval de 1997, em Rio
Branco (AC), concluiu-se não haver
aumento significativo da freqüência
das relações sexuais no Carnaval.
Em 1993, estudo com 380 ritmistas
de escola de samba de São Paulo concluiu: quem está em risco para HIV
no Carnaval também está durante todo o ano. Há, ainda, publicação de
2002 relatando que as campanhas
massivas de DST/Aids reforçam que
o calendário é fixo e tem desatenção a
outras DST, contribuindo para o imaginário da Aids no cenário do país.
Dados do SUS sobre partos e abortamentos no Brasil, Rio de Janeiro e
Niterói mostram que o pico de nascimento de crianças ocorre em maio. Já
o maior número de abortamentos é
em outubro/novembro. Se as pessoas
transam mais para contrair DST,
também engravidariam mais. Como
explicar esses números?
A ausência de pesquisas que comprovem que o Carnaval leva a um aumento de DST/Aids contribui para o
fortalecimento do mito de que esse
feriado é sinônimo de orgia geral. Mito este que não leva em conta alas das
baianas, crianças, bailes em matinês,
vendedores ambulantes, jornalistas,
espectadores, aqueles que param para descansar... Porque, em nossa pesquisa, o Carnaval não influenciou na
ocorrência de gonorréia, sífilis e tricomoníase em pacientes atendidos
pela primeira vez em uma clínica de
DST em Niterói, RJ.
MAURO ROMERO LEAL PASSOS é professor doutor associado do Departamento de Microbiologia e Parasitologia, do setor de DST da Universidade Federal Fluminense.
WILMA NANCI CAMPOS ARZE, médica, mestre em medicina pela UFF.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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