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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A guerra dos grampos

"Maldita hora em que mandei colocar uma extensão no quarto da minha empregada. Perdi o sossego. Quando falo ao telefone, não sei se os ruídos são dos grampos ou da doentia curiosidade da Geralda."
Foi dessa forma que a Joaninha, minha velha companheira de escola, começou a conversa ao me telefonar na sexta-feira. A princípio achei que estava sonada (ela que não me leia...), mas, depois, percebi uma ponta de presunção. Há tanta gente importante sendo grampeada que ela gostaria de estar no meio dessa chamada elite...
Mas a razão do telefonema foi outra. O intróito foi apenas um jogo de cena. Na verdade, ela queria criticar o artigo que publiquei nesta coluna no domingo passado, em que, no final, definia o Brasil como um lugar seguro e que poderia atrair os turistas internacionais que hoje temem o terrorismo e a guerra que assolam outros países.
Com "O Globo" em punho aberto na página policial, a Joaninha foi me desafiando.
"Onde você viu segurança neste país? A nossa mais bela cidade, Rio de Janeiro, às vésperas da grande safra de turistas (Carnaval), está sitiada por traficantes, ladrões e assassinos, que metralham lojas à luz do dia e incendeiam ônibus urbanos, queimando até mesmo uma senhora de 70 anos, que, por sofrer de artrose, não teve condições de fugir das chamas e acabou morrendo no hospital. Isso é lugar seguro?"
Tive de vestir a carapuça... O que está acontecendo no Rio de Janeiro é um absurdo. Os seres humanos estão destruindo as maravilhas que Deus nos deu e, com isso, espantando uma preciosa fonte de renda e de empregos. Não tem cabimento transformar a cidade maravilhosa numa praça de guerra, na qual os saques e ataques são comandados por um meliante que diziam estar encarcerado em uma prisão de "segurança máxima".
Tive de concordar com a Joaninha e dizer que dias melhores virão, que o Brasil conseguirá superar essa crise e que as belezas continuarão aqui.
Mas ela não parou. E disse: "A insegurança não vem só de bandidos que usam metralhadoras. Quando se lê nos jornais que um parlamentar vende habeas corpus para traficantes de drogas, vê-se que o esquema é mais forte do que se pensa. Onde está a nossa segurança jurídica?".
Ponderei que esse parlamentar renunciou ao mandato, perdendo o foro privilegiado, o que facilitará a ação da Justiça para apurar os fatos e, se for o caso, condená-lo.
Mas ela não se conformou. Disse que foi o único caso na história em que um político renunciou pela mesma razão por duas vezes num período de apenas 41 dias e que vai se candidatar a um novo cargo eletivo no ano que vem.
Aconselhei a Joaninha a ter paciência e, se possível, a escolher o baile da saudade onde poderá comemorar o Carnaval com seus pares, longe das drogas e das metralhadoras. Ela ficou furiosa com a brincadeira, especialmente porque ouviu uma estrondosa gargalhada da Geralda, que estava no outro lado da linha...
Desejo a todos um bom Carnaval. Ou o Brasil acaba com os grampos e a violência, ou eles acabam com o Brasil...


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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