São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

Câmbio: folclore e fato

Temos sempre insistido que a determinação da taxa cambial "de equilíbrio" é um dos problemas mais vexatórios de quantos enfrentados pelo economistas. Na verdade, não existe nenhuma teoria que explique a dinâmica da taxa cambial: os modelos mais sofisticados sobrevivem muito pouco ao desafio permanente da realidade. À medida que os movimentos de capital tomam maior importância e tendem a dominar as forças de oferta e procura geradas pela exportação e pela importação de bens e serviços, ela se comporta como um ativo financeiro comum, cujo preço se ajusta instantaneamente, e é propensa a um movimento estocástico. É por isso que se diz (mesmo diante de modelos sofisticados) que a melhor estimativa da taxa de câmbio de amanhã é a taxa de hoje...
Como conseqüência dessa resposta imediata à oferta e procura de capitais que costumam dominar amplamente o valor das transações comerciais, freqüentemente há uma importante diferença entre a taxa de câmbio que estimula o crescimento dos investimentos no setor exportador e a que é formada no mercado. Esta é determinada nos sistemas financeiros sofisticados pelo diferencial entre a taxa de juros interna e externa, basicamente. Se o Brasil tem uma coisa moderna e sofisticada, é o seu sistema financeiro, de forma que a arbitragem entre as taxas de juros se faz por toda a sorte de operações físicas e derivativas imagináveis. É por isso que a intervenção do Banco Central no mercado físico é incapaz de modificar a taxa de câmbio de maneira permanente. É certo que precisamos aumentar nossas reservas, hoje em US$ 54 bilhões -mas que, quando ajustadas pelos critérios do FMI, se reduzem à metade. O problema é que o grande esforço do Banco Central encontra limites na expansão da base monetária ou no aumento do endividamento público. A única solução possível (no curto prazo) é eliminar o amplo espaço de arbitragem com uma tributação enquanto não for possível reduzir a taxa de juro interna.
De qualquer forma, em meio século de experiência com a economia brasileira, aprendi que, sobre a taxa de câmbio, existem pelo menos duas versões: a primeira, produto de um folclore criado pelo grande administrador Wolfgang Sauer, que afirma: "Não importa qual seja o seu nível atual, a taxa de câmbio de equilíbrio é 30% superior".
A segunda, muito mais séria e que deve ser entendida como uma verdadeira "lei", afirma:
"Quando o governo se organiza para mostrar que a taxa de câmbio é a correta, é porque ela está errada, não importa quão sofisticados sejam seus argumentos".
Namorando com o câmbio valorizado por sua própria política monetária, para ajudá-lo no cumprimento da "meta inflacionária", o governo prepara para o país uma armadilha mais séria do que parece. Pode levar algum tempo, mas é certo que ela se fecha e leva à morte súbita! Brincando com o câmbio no seu primeiro mandato, FHC nos levou ao FMI duas vezes em oito anos... Só agora estamos nos livrando dessa tutela.
Se as condições externas se complicarem, não estará essa política de juros-câmbio preparando uma volta gloriosa ao FMI antes do fim do primeiro mandato de Lula?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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