São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Febem no caminho certo

MARCO VINICIO PETRELLUZZI

A questão do adolescente infrator é, sem dúvida, das mais tormentosas com a qual depara o administrador público. Os adolescentes, como é inerente à natureza humana, demonstram alguma tendência à rebeldia, acompanhada de certa irresponsabilidade. Qualquer pessoa sincera e de boa-fé, ao fazer um exame criterioso de consciência, lembrar-se-á de atos inconseqüentes praticados na adolescência.


A crise por que passa a Febem neste momento é, à evidência, estimulada pela ação deletéria de maus funcionários


Dessa forma, no tratamento e no acompanhamento do adolescente infrator não se pode deixar de levar em consideração esses componentes, derivados de atavismo. Daí a razão de todos os especialistas no tema concordarem que o atendimento ao adolescente infrator deva se revestir de caráter predominantemente pedagógico -como, aliás, é do espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente. É certo que há casos em que, conforme prevê o ECA, pela natureza gravíssima dos atos anti-sociais praticados pelo adolescente, por medida de defesa social, torna-se imperativa a sua internação em estabelecimento com maior segurança.
Porém, para a imensa maioria dos adolescentes que praticam condutas anti-sociais, tendo em vista a sua personalidade em formação, a solução deve ser a aplicação de medidas scioeducativas, devendo-se, sim, investir em atividades pedagógicas, sobretudo na liberdade assistida e na prestação de serviços à comunidade.
A Febem, que é o órgão estatal com atribuição para traçar as políticas públicas para intervir na questão do adolescente infrator, sempre esteve existencialmente dividida entre as atividades pedagógicas e a forte pressão de certos setores da sociedade, no sentido da adoção de medidas de segregação mais severas.
Vivenciando esse dilema desde a sua criação, a Febem vem enfrentando crises constantes. Essas crises, cujo maior sintoma são as rebeliões em unidades de internação, agudizam-se, curiosa e sintomaticamente, justamente nos momentos em que se busca promover inadiáveis e imprescindíveis mudanças estruturais, implantando medidas que contrariam interesses de alguns funcionários viciados e daqueles que defendem a utilização de métodos violentos para "dominar" os adolescentes.
É verdade que em alguns momentos de sua longa história, mercê de forte presença policial e até mesmo de acordo tácito com os violadores dos direitos dos internos, a Febem viveu uma "pax" ilusória, que crises posteriores vieram a desnudar.
A crise por que passa a Febem neste momento é, à evidência, estimulada pela ação deletéria de maus funcionários. As reformas que ora se implantam evidenciam que a crise, revelada pelas últimas rebeliões, é, na verdade, a reação dos setores que pretendem mais uma vez inviabilizar o caminho da Febem rumo à modernidade e à eficiência.
Essas reformas se iniciaram pela edição de um regulamento uniforme para todas as unidades, o que elimina a presença de pequenos feudos, com os malefícios a eles inerentes. Prosseguiram com a separação das atividades educacionais daquelas destinadas à disciplina, o que exigiu a demissão da quase totalidade dos monitores que trabalhavam em grandes complexos.
A extinção da figura dúbia e inconveniente do monitor está sendo acompanhada pela abertura da Febem à participação de entidades que militam na área da infância, que, por sua experiência e credibilidade social, possibilitam, por fim, a compreensão de que a solução para a questão do adolescente infrator não prescinde da efetiva participação da comunidade na condução e na fiscalização dos negócios da Febem.
Ao lado dessas reformas, a adoção de programas como o que permite às associações de mães participar do cotidiano das unidades e a criação de oportunidades de ensino especializado, por meio de convênios com entidades destinadas à formação profissionalizante, como o Centro Paula Souza e outros institutos e organizações não-governamentais, irão paulatinamente retirar tensão do sistema e permitir o desenvolvimento normal das atividades pedagógicas. Ao lado disso, a abertura da Febem para que igrejas possam desenvolver a atividade de catequese também é um importante sintoma da integração da Febem com a comunidade.
Nesse sentido, e tendo em vista que não se devem subestimar as forças que pretendem reverter as reformas em curso, para estabelecer um método meramente repressor, é importante e decisivo o apoio que vêm recebendo o governador Geraldo Alckmin e o secretário Alexandre de Moraes e sua equipe.
Já foi dito que uma casa em construção, sob certo aspecto, assemelha-se muito a uma em demolição. Com efeito, muitos ainda serão os percalços que o governo do Estado enfrentará para concluir a mudança estrutural da Febem. É possível, e até mesmo provável, que ocorram novas rebeliões -que terão sempre grande repercussão na mídia. Porém esse é o preço que se deve pagar para que a questão do adolescente infrator seja tratada com a responsabilidade que se exige.

Marco Vinicio Petrelluzzi, 48, é procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governo Mário Covas).


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