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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os fetiches do PLP 9

RICARDO BERZOINI

O PLP 9, um projeto de lei complementar que trata de parte da reforma da Previdência em discussão, foi transformado em dois enganosos fetiches. Para alguns, trata-se da própria reforma que dará justiça social e sustentabilidade orçamentária à Previdência do setor público. Para outros, expõe a prova cabal de que o atual governo apenas cumpre o roteiro definido por seus antecessores, mancomunados com banqueiros e organismos internacionais. A verdade, como de costume nesses casos, tem mais laços com a razão fria das letras do que com a emoção tendenciosa das vozes.
O projeto de lei complementar número 9 foi apresentado ao Congresso Nacional em 1999, para cumprir um mandamento constitucional. Busca regulamentar o parágrafo 14 do artigo 40. Esse dispositivo diz que União, Estados, Distrito Federal e municípios "poderão" -frise-se, poderão- instituir regimes de previdência complementar para capitalizar aposentadorias de seus servidores, cujos salários superem o teto pago pelo regime geral, do INSS.
É um sistema que já existe no Brasil, inclusive no setor público, nas empresas estatais e cujos aperfeiçoamentos são resultado da luta dos trabalhadores, em especial dos bancários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, dos petroleiros da Petrobras e dos empregados das telecomunicações, entre outros.
Uma vez aprovado na Câmara e no Senado, esse regime de previdência complementar alternativo do servidor público só seria instituído em cada ente da Federação após novas deliberações legislativas. O Congresso Nacional precisará aprovar lei específica, de iniciativa do presidente da República, para que seja criado um fundo de pensão para a União. O estabelecimento desse regime nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios exigirá decisões semelhantes das Assembléias Legislativas, da Câmara do Distrito Federal e das Câmaras Municipais.
Uma vez instituído, cada fundo de pensão terá como participantes obrigatórios os novos servidores contratados e como opcionais os antigos, desde que manifestem expressamente o desejo de participar desse regime. Em todo o país, os funcionários públicos que hoje teriam essa opção representam menos de 1,2 % da população ocupada, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001.
A esses servidores, o PLP 9 poderá dar um direito pelo qual os partidos de esquerda lutam há muito tempo para toda a classe trabalhadora: o sistema de fundos de pensão geridos por empregados e empregadores.
Desde que os sindicatos se organizem para isso e o poder público supervisione adequadamente, poderá dar ao trabalhador o poder de participar da gestão de seus recursos previdenciários para que sejam bem investidos e estejam seguros no momento de sua aposentadoria. Para tanto, é preciso alterar o texto atual do PLP 9, eliminando a obrigatoriedade de planos de contribuição definida, em consonância com os destaques apresentados por PSB, PC do B, PDT e PT.


O projeto está longe de ser solução definitiva para os problemas da Previdência do setor público


Assegurada à Secretaria de Previdência Complementar o poder de aprovar a constituição de cada fundo, com base nos melhores princípios de equilíbrio atuarial, deve-se dar liberdade à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios para que decidam qual modalidade querem e podem instituir: se contribuição definida ou benefício definido.
Outra mudança desejável é permitir a existência de aplicações na forma de empréstimos aos participantes, o que permitirá a gestão de planos de financiamento de moradias e de empréstimos simples, como os já existentes em outros fundos de pensão, que livram seus filiados das extorsivas taxas de juros dos bancos e das financeiras.
Alguns dos que estão contra a tramitação do PLP 9 denunciaram tratar-se da privatização da Previdência do setor público, contra a qual também estou e sempre estive. Estão enganados, creio, pois não admito que estejam enganando a quem representam.
Assim como não é a prova de que o atual governo prossegue na lógica anterior, pois divergimos no mérito, o PLP 9 está longe de ser solução definitiva para os problemas da Previdência do setor público. Ao contrário, ele próprio tem incongruências ou aspectos polêmicos que precisam ser sanados durante sua tramitação no Congresso.
A reforma da Previdência do setor público é um tema que interessa a todos. Mas, para que cheguemos a um bom resultado, não basta apenas nos mantermos firmes em nossa disposição de dialogar com movimentos sociais, entidades de classe e partidos políticos. É necessário que todos os interlocutores tragam o máximo de consistência na condução de seus argumentos, sob pena de rejeitarmos o rótulo sem conhecermos adequadamente o produto.

Ricardo Berzoini, 43, é ministro da Previdência Social. Foi reeleito deputado federal, pelo PT de São Paulo, em 2002.


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