São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os que vão morrer
CAETANO LAGRASTA
A autonomia financeira (prevista na Constituição), aqui, é ilusória e amesquinhada, mas é lógico que isso nada tem a ver com a violência ou a barbárie, pois já conseguimos um juiz assassinado. Foi o crime organizado? Foi vingança de preso menos excelente? Pode ter sido qualquer coisa, mas quem deve explicações ao público em geral, aos familiares do morto e aos outros lutadores, sobre qual a razão de um único preso movimentar todos os Estados da Federação, temerosos de sua presença, desculpe-nos, é você, César, são os governantes, não os cidadãos. E, queira ou não, o exemplo está dado e, com certeza, acabará por infectar outras espécies de processo (invasão de terras, licitações públicas, crimes contra o meio ambiente, construção civil, remoção de lixo tóxico, crimes contra o consumidor etc.), com sua torpe ameaça, sempre que alguma das partes se sentir prejudicada, seja ela criminoso excelente ou ímprobo administrador. Para estes (até o delinquente já percebeu) existe outra lei, melhor interpretada, que lhes permite melhor defesa e quase sempre atingir a impunidade ou a prescrição dos crimes. Diante disso, o facínora busca se filiar a qualquer espécie de "organização" que lhe dê status, segurança, melhores advogados e, lógico, algum dinheiro no bolso. Assume novas funções na trajetória da marginalidade, tornando-se, quando muito, amanuense das tais organizações, encarregado de, utilizando-se do dinheiro sujo do crime (tóxico, armas, jogos de azar, prostituição etc.), entregá-lo ao corrompido. Aos altos escalões, com certeza, não pertence, não sendo o responsável pela aplicação ("lavagem") daquele dinheiro, que financia a corrupção de policiais, aplicado nas campanhas eleitorais, em operações diamante etc., sem ostentar a capacidade e a sutileza mercadológica necessárias para encobrir a utilização lícita do produto da atividade criminosa. Dessa forma, os dirigentes das macroorganizações criminosas, globalizadas, conseguem respeitabilidade e penetram nas malhas do tecido social "legal", através da oferta de "crimes de serviço" do tipo transporte ilegal de lixo tóxico, associação à indústria alimentar, ou do lazer, à construção civil, às licitações públicas etc. Lembremo-nos, César, de que o palavrar finório -ainda que veemente- pode servir para enterrar os mortos, nunca para restituí-los à vida, seja como juiz, pai de família, colega; ou fazer-lhes justiça. Ave, César! Caetano Lagrasta Neto, 59, é juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo e secretário-executivo do Centro Brasileiro de Estudos e pesquisas judiciais. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ricardo Berzoini: Os fetiches do PLP 9 Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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