São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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PLÍNIO FRAGA

Palavra não basta

RIO DE JANEIRO - Parece picuinha cobrar de José Serra agora o compromisso público que assinou há 565 dias, quando provocado se deixaria a Prefeitura de São Paulo para disputar a Presidência ou o governo do Estado. Naquele 14 de setembro de 2004, Serra titubeou e disse preferir não assinar: "Minha palavra basta", afirmou, perante 300 pessoas.
Aceitou pôr seu jamegão no papel para estancar a "especulação" de que faria da prefeitura "trampolim" para outro posto, como acusava seu adversário Paulo Maluf. É duro admitir, mas é preciso escrever claramente: Maluf tinha razão.
Não é mera picuinha. Por que, homem racional que é, Serra não se recusou simplesmente a assinar o documento, usando de sinceridade para dizer que na política as coisas mudam como nuvem, como afirma a sapiência mineira? Por que preferiu se render ao pensamento marqueteiro de que a frase poderia lhe tirar votos?
Para ficar num exemplo tucano, era preferível usar a ranhetice de Mario Covas, com seus óculos fora de moda e seu temperamento abrasivo, mas com pendor a ser o que era e a dizer o que pensava. Perderia alguns votos, mas enobreceria o currículo.
A palavra de Serra não bastava, o tempo demonstrou. O tucano inaugurou uma vertente nova da contestada frase "esqueçam o que escrevi", atribuída a FHC. "Esqueçam o que assinei", ainda falta dizer Serra, pelo menos às três centenas de pessoas que o ouviram afirmar, cara a cara, o que agora renegou.
Dois dias depois de o tucano ter assinado o compromisso, lembrava neste espaço que Antonio Palocci Filho fizera o mesmo em Ribeirão Preto, também sem cumprir. Está aí uma semelhança incontestável de Serra com Palocci na mixórdia de identidades entre PSDB e PT, num péssimo momento de afinidade.
São Paulo convoca Serra para posto em que pode melhor ajudar o país, o Estado e o município, argumentam os tucanos. É, deve ser. Mas Serra permite agora que se diga que a ocasião, se não faz o ladrão, ao menos açoda o oportunista.


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