São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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Poucos escapam

O escândalo da troca de legendas mostra um desrespeito ao eleitor que se repete em vários campos da política

CARACTERIZADO , habitualmente, como um exemplo de comportamento vacilante e introspectivo, o príncipe Hamlet é entretanto capaz de vários ímpetos e destemperos ao longo da tragédia shakespeariana. Numa tirada acerba, considera que, se todo homem tivesse de fato o que merece, dificilmente alguém escaparia do chicote.
Brasília não se compara ao reino da Dinamarca -onde apenas a mente melancólica e suspeitosa de Hamlet, afinal, era capaz de perceber alguns sinais de podridão. De todo modo, a severa frase do príncipe se aplica com justeza às atuais discussões em torno da fidelidade partidária.
A facilidade escandalosa com que as legendas da base governista ganharam adeptos da noite para o dia repugna, como não poderia deixar de ser, a sociedade brasileira. Cabe perguntar, contudo, quantos homens públicos, mesmo entre os que se mostram fiéis à legenda a que pertencem, não traem a todo momento seus compromissos com o eleitorado.
Um caso ilustrativo, e que está longe de constituir exceção, é o do deputado Geddel Vieira Lima, do PMDB baiano. Não precisou mudar de partido para trocar de atitudes; passou com presteza da oposição ao governismo, e nem mesmo o mais draconiano ministro do TSE cogitaria de tirar-lhe o mandato de deputado. Não o perderá, com efeito; ganha, isto sim, o cargo de ministro da Integração Nacional.
Tome-se também o exemplo do partido que, até há poucos dias, tinha o nome de PFL. É das principais forças políticas a defender a fidelidade partidária -uma vez que muitos de seus membros não se acomodaram, como é notório, às amarguras da vida na oposição. Ironicamente, os pefelistas que não trocaram de partido decidiram em vez disso trocar o partido por inteiro.
São agora "os Democratas". O nome talvez sugira aos nostálgicos uma reedição da velha "banda de música" da UDN, ativa nos tempos dourados da oposição a Getúlio e Juscelino. Não esconde, contudo, a intenção inversa: trata-se obviamente de obliterar o passado e de preferir, à continuidade de uma imagem política, a adoção de um novo rótulo.
Infidelidade à própria história não é, entretanto, característica que possa ser lembrada no caso do PFL sem que venham à mente políticos e partidos de todo tipo -a começar pelo presidente Lula e pelo PT.
Infiéis à palavra assumida, às promessas que fizeram em público, às bandeiras que se dispunham a representar para o eleitor -dos cardeais do PSDB ao menos votado vereador de uma legenda de aluguel, não faltam políticos a quem se poderia dirigir essa acusação.
O tema da fidelidade partidária deve, por certo, ser objeto de legislação específica, como defendido aqui. A fidelidade ao eleitor, entretanto, é um tipo de comportamento que não se consolida sem um grau de cultura política que o país, lamentavelmente, está longe de alcançar.


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