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Poucos escapam
O escândalo da troca de
legendas mostra um
desrespeito ao eleitor que
se repete em vários
campos da política
CARACTERIZADO , habitualmente, como um
exemplo de comportamento vacilante e introspectivo, o príncipe Hamlet é
entretanto capaz de vários ímpetos e destemperos ao longo da
tragédia shakespeariana. Numa
tirada acerba, considera que, se
todo homem tivesse de fato o que
merece, dificilmente alguém escaparia do chicote.
Brasília não se compara ao reino da Dinamarca -onde apenas
a mente melancólica e suspeitosa de Hamlet, afinal, era capaz de
perceber alguns sinais de podridão. De todo modo, a severa frase
do príncipe se aplica com justeza
às atuais discussões em torno da
fidelidade partidária.
A facilidade escandalosa com
que as legendas da base governista ganharam adeptos da noite
para o dia repugna, como não poderia deixar de ser, a sociedade
brasileira. Cabe perguntar, contudo, quantos homens públicos,
mesmo entre os que se mostram
fiéis à legenda a que pertencem,
não traem a todo momento seus
compromissos com o eleitorado.
Um caso ilustrativo, e que está
longe de constituir exceção, é o
do deputado Geddel Vieira Lima,
do PMDB baiano. Não precisou
mudar de partido para trocar de
atitudes; passou com presteza da
oposição ao governismo, e nem
mesmo o mais draconiano ministro do TSE cogitaria de tirar-lhe o mandato de deputado. Não
o perderá, com efeito; ganha, isto
sim, o cargo de ministro da Integração Nacional.
Tome-se também o exemplo
do partido que, até há poucos
dias, tinha o nome de PFL. É das
principais forças políticas a defender a fidelidade partidária
-uma vez que muitos de seus
membros não se acomodaram,
como é notório, às amarguras da
vida na oposição. Ironicamente,
os pefelistas que não trocaram
de partido decidiram em vez disso trocar o partido por inteiro.
São agora "os Democratas". O
nome talvez sugira aos nostálgicos uma reedição da velha "banda de música" da UDN, ativa nos
tempos dourados da oposição a
Getúlio e Juscelino. Não esconde, contudo, a intenção inversa:
trata-se obviamente de obliterar
o passado e de preferir, à continuidade de uma imagem política, a adoção de um novo rótulo.
Infidelidade à própria história
não é, entretanto, característica
que possa ser lembrada no caso
do PFL sem que venham à mente
políticos e partidos de todo tipo
-a começar pelo presidente Lula e pelo PT.
Infiéis à palavra assumida, às
promessas que fizeram em público, às bandeiras que se dispunham a representar para o eleitor -dos cardeais do PSDB ao
menos votado vereador de uma
legenda de aluguel, não faltam
políticos a quem se poderia dirigir essa acusação.
O tema da fidelidade partidária
deve, por certo, ser objeto de legislação específica, como defendido aqui. A fidelidade ao eleitor,
entretanto, é um tipo de comportamento que não se consolida
sem um grau de cultura política
que o país, lamentavelmente, está longe de alcançar.
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