|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Big Bang
RIO DE JANEIRO - Foi por causa
do acelerador de partículas. Enquanto os prótons voavam feito baratas tontas dentro da engenhoca
na Suíça, lembrei-me dos atentados
na Rússia, das denúncias contra os
padres pedófilos, dos terremotos
no Haiti e no Chile, das execuções
em massa no Irã, dos presos políticos em Cuba, dos cativeiros das
Farc na selva colombiana, do degelo
no Ártico, das enchentes em São
Paulo e de outros desaires recentes,
e comecei a me perguntar se, há bilhões de anos, não teria sido mais
sensato adiar o Big Bang ou mesmo
desistir de criar o universo.
Pouco depois, ao constatar que
somos contemporâneos do panetone de José Roberto Arruda, da tunga dos royalties do petróleo por Ibsen Pinheiro, das cabriolas da família Sarney com o dinheiro público,
do mau humor de Dilma Rousseff,
da letargia de José Serra, da comoção nacional pelo Big Brother e da
tomada do poder na música brasileira pelas duplas sertanejas, cheguei à conclusão de que o Big Bang,
definitivamente, não foi uma boa
ideia. Melhor seria se continuasse a
pasmaceira cósmica.
Mas, ao mesmo tempo, lembrei-me da primeira vez em que assisti
no cinema à fita em série "Perigos
de Nyoka"; li os contos de Dorothy
Parker; ouvi "Fotografia", de Tom
Jobim, com Sylvinha Telles; vi o
Flamengo de Zico, Junior, Leandro,
Adílio, Andrade, Carpeggiani, Nunes e grande elenco; conversei com
Moacyr Luz e Aldir Blanc; e comi
maniçoba, a feijoada paraense, de
uma carrocinha fumegante, em
prato de plástico, na rua, em Belém
do Pará. Enfim, ali achei que, pensando bem, o Big Bang até que viera
na hora certa.
Finalmente, ao me dar conta de
que sou contemporâneo dessa nova
geração de garotas que perfumam
de sal, iodo e sabonete as tardinhas
do Leblon, concluo que, na verdade,
o Big Bang chegou tarde.
Texto Anterior: Brasília - Kennedy Alencar: "Meu Bem, Meu Mal" Próximo Texto: José Sarney: A paixão segundo a infância Índice
|