![]() São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2010 |
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JOSÉ SARNEY A paixão segundo a infância
PARA MIM, a palavra felicidade está associada à infância. É
quando descobrimos o mundo e a beleza explode na descoberta
das cores, da luz, do céu, das nuvens que caminham, das árvores,
das águas e das flores.
Tudo são formas que nascem a
nossos olhos e conhecemos, pela
primeira vez, o sentimento de
amor que pousa no carinho de nossas mães. Vem o canto dos pássaros, o voo das andorinhas, o descobrir os bichos e tudo é revelação.
Depois, a infância é o tempo da
estreita amizade com Deus, o menino Jesus é nosso companheiro,
colega e cúmplice em nossas travessuras. Não chegaram as preocupações e dúvidas que nos darão o
saibo da amargura de viver, que fica sempre com uma parte dos nossos anos, embora Aristóteles tenha
afirmado que "o homem é o que de
mais excelente existe no cosmo".
Petrônio, no aforismo de sua duvidosa autoria, diz que "primeiro o
medo criou Deus".
Deus criou a minha infância. Ele
era a sombra que eu sabia ter me
dado a vida e me assegurava a eternidade que naqueles tempos não
era o céu prometido, mas o paraíso
que ele me dera para viver: a Terra.
A casa do meu avô, o engenho, os
campos verdes, os sons dos sinos
tocando nas alegrias, até que com
os anos a vida passasse a ter o cheiro azedo da garapa.
Meu Jesus Cristinho morava na
minha cidade de São Bento, onde
despertei para a vida. Ele estava na
igreja entre as colunas pintadas
imitando mármore. Nos tempos da
paixão, eu chorava com a revelação
de que homens maus o tinham crucificado, pregado na cruz, trespassado por lança e Judas o traíra.
O tempo da Quaresma era a oração e o silêncio em que os nossos
jogos e sorrisos não podiam ser
exuberantes porque Jesus iria
morrer. A procissão do encontro, o
Bom Jesus da Cana Verde, o lava-pés, o canto da Verônica e as estações da paixão.
Tudo tinha um sentido misterioso onde a razão não entrava, só a
emoção. A igreja governava as nossas referências, o domingo, as ladainhas, o rosário, as nossas súplicas e conversas com Deus. Minha
mãe nos ensinava tudo sobre o segredo da vida, do céu e da terra, a
paixão e a morte de Jesus.
Eu esperava ansioso pela ressurreição, o coro em que nós cantávamos nas aleluias: "Jesus já não
morre mais/ prostrai-vos, ó mortais/ junto aos céus eternais/ celebrai o rei da glória".
E os carrilhões a toda força
anunciavam a ressurreição, a da
expressão de são Paulo, que afirmava: "sem ressurreição, não há
cristianismo".
Toda Sexta-Feira Santa é para
mim plena da restauração da infância. E, como diz são João, "Jesus
amou os homens até o fim".
Aleluia. JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Big Bang Próximo Texto: Frases Índice |
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