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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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BORIS FAUSTO

A Espanha e o "eixo do bem"

A integração da Espanha ao "eixo do bem" foi um lance ousado e arriscado do governo conservador (PP), liderado por José María Aznar. Ousado e arriscado por marcar diferenças em relação aos dois grandes parceiros da União Européia -a França e a Alemanha- e por lançar o país no apoio a uma guerra repudiada por 95% dos espanhóis.
Por algum tempo, teve-se a impressão de que Aznar decretara sua morte política e precipitara uma estrondosa derrota do PP. Mas não é isso o que vem acontecendo. Entre outros fatores, a curta duração da guerra do Iraque veio em seu socorro, embora a sequência dos fatos que se seguiram ao conflito acrescentasse novos riscos para o governo.
Entre esses fatos destacou-se, a poucos dias das eleições municipais e das regiões autônomas, a sequência noturna de atentados terroristas em Casablanca, tendo como alvo principal um restaurante espanhol. Evidenciou-se assim, de forma contundente, que a Espanha entrou na lista de países-alvos do terrorismo, não obstante a tentativa do primeiro-ministro de negar essa vinculação.
Mas a rejeição maciça ao envolvimento da Espanha na guerra, assim como a comoção provocada pelo atentado de Casablanca, que resultou em algumas vítimas de nacionalidade espanhola, não produziu uma reviravolta no quadro político, como demonstram os resultados das eleições realizadas no último 25 de maio.
A tentativa da oposição socialista (PSOE), liderada por Rodríguez Sapatero, no curso da campanha, no sentido de explorar o forte descontentamento da população com relação à política externa, não teve êxito. É certo que o PSOE alcançou a maioria de votos em âmbito nacional, embora por margem estreita, e logrou assumir o governo da Comunidade (Província) de Madri, em aliança com a minoritária Izquierda Unida (IZ). Porém o PP manteve o controle das prefeituras das maiores cidades, aí incluída Madri - centro de uma disputa importante, pelo significado que a capital representa, em termos de poder e como expressão simbólica.
A votação significativa do PP tem muito a ver com as condições econômicas favoráveis da Espanha nos últimos anos, levando amplos setores acomodados da população a recusar mudanças, mesmo limitadas. Não por acaso, empenhado diretamente na campanha, com uma capacidade de liderança incontestável, Aznar recuperou seu discurso nitidamente de direita, explorando os supostos riscos à estabilidade que uma vitória dos socialistas, com apoio dos comunistas, iria provocar.
Desse modo, as eleições municipais e autonômicas não serviram como indicador do que ocorrerá no país nas eleições gerais do próximo ano. O país continua dividido entre duas tendências partidárias, com força quase igual. Essa divisão é um eloquente exemplo de que, reformuladas, ou mudando às vezes de substância, as diferenças entre esquerda e direita continuam a existir. No caso da Espanha, isso é certo, tanto no plano interno -em torno de temas como a educação, a saúde, a cultura - como no plano das relações internacionais.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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