São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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DEBATE RESTRITO

Há uma predominância de questões econômicas no debate público. O país angustia-se mensalmente com as reuniões do Banco Central para definir o patamar da taxa básica de juros. Discutem-se a autonomia do BC, a relação dívida-PIB e a necessidade ou não de reformular as metas de inflação.
São temas evidentemente relevantes dada a óbvia importância do crescimento num país com as carências do Brasil, que tem convivido nos últimos anos com um ritmo descontínuo e tímido de expansão econômica, com elevados índices de desemprego e deterioração social. Os limites em que o debate transcorre, no entanto, são estreitos.
Há como um acordo tácito de que não é possível aspirar a vôos mais altos. A margem de manobra para as políticas públicas é exígua e há até os que se regozijam com os constrangimentos externos, pois são de tal ordem e de tal monta que inibem propostas de mudanças. Melhor, segundo alguns, que o governo não se preocupe em delinear projetos de desenvolvimento e de inserção internacional mais arrojada, pois idéias dessa natureza teriam, além de tudo, ficado irremediavelmente obsoletas, trazendo em si o vírus do populismo, do estatismo e do atraso.
O colapso do modelo de desenvolvimento calcado na iniciativa do Estado e o subseqüente triunfo da agenda liberalizante ainda é um divisor de águas, em que pesem os resultados pouco animadores alcançados pelas políticas sugeridas pelo FMI e o Banco Mundial na maior parte da América Latina. A polarização de posições entre essas vertentes, lamentavelmente, não tem sido especialmente esclarecedora. Cristalizam-se convicções que procuram negar uma as virtudes da outra e ocultar seus próprios defeitos.
Não há dúvida de que a experiência liberal, com todos os problemas, trouxe notáveis avanços, como a estabilização da moeda e a correção de distorções herdadas do período de economia fechada. É inegável, todavia, que os mercados por si só não se mostram capazes de coordenar o crescimento. A construção de um capitalismo moderno no Brasil, que valorize a livre-iniciativa, atraia investimentos e, ao mesmo tempo, se revele capaz de reduzir as imensas desigualdades socioeconômicas, dificilmente poderá prescindir do ativismo governamental. Não se trata de ressuscitar o Estado-empresário, cuja ineficiência já foi demonstrada, mas de recuperar o Estado que planeja e procura coordenar ações com uma visão identificável de futuro.
Em sua recente passagem pelo México, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se de que os países latino-americanos fizeram a lição de casa, mas não colheram os frutos prometidos. É uma constatação, no entanto, apenas retórica, que não tem encontrado contrapartida na formulação das políticas internas. Há uma compreensível insegurança quanto ao tema da mudança: afinal, o que é possível efetivamente mudar? Qual o preço a ser pago? Politicamente, valeria a pena correr o risco de contrariar preceitos estabelecidos?
A resposta até aqui oferecida a essas questões pelo governo Lula tem sido gerenciar o dia-a-dia da economia com prudência, dentro dos padrões herdados da administração anterior. Crescer pouco é melhor do que não crescer, administrar a crise é melhor do que deixá-la explodir. Não há dúvida quanto a isso, contudo parece faltar não apenas ao governo, mas ao debate nacional, uma perspectiva estratégica, uma visão de longo prazo dos caminhos a serem trilhados pelo país.


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