São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2010

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RUY CASTRO

Sebastião republicano

RIO DE JANEIRO - Há algo de dom Sebastião na volta de Zico ao Brasil como CEO do futebol do Flamengo. Lembra a saga do rei português que foi lutar nas Cruzadas, em 1578, e não voltou -e, como se esperava que voltasse, seus sucessores no trono de Portugal tornaram-se guardiões da coroa, jamais a usando na cabeça. A imagem clássica do nosso dom João 6º ao ser aclamado rei, em 1818, mostra-o com a cabeça nua e a coroa a seu lado. Àquela altura, 240 anos depois, a volta de dom Sebastião já era improvável, mas a crença nunca se abalou.
Em nosso futebol republicano não há espaço para uma coroa, mas o anseio rubro-negro pela volta de Zico -como treinador, cartola, presidente, interventor, o que ele quisesse- inspirou-se nesse sebastianismo redentor. Ele voltaria para purgar o Flamengo da incompetência ou má-fé com que muitas administrações levaram 30 e tantos milhões de brasileiros -comprovados- a anos de infelicidade.
Zico voltaria para mostrar como um clube movido a paixão pode ser guiado pela razão, estancando as contratações impensadas, os salários irreais (há reservas no Flamengo que ganham R$ 200 mil), a irresponsabilidade crônica e o êxodo de valores revelados em casa -quase todos os campeões brasileiros dos últimos 20 anos tinham jogadores com origem na Gávea.
E voltaria também para dar um exemplo de retidão. Em meio a alguns torcedores sinceros que assumem cargos e se sacrificam por seus clubes, o futebol é propício a uma cultura de larápios e oportunistas. Se a contabilidade dos nossos clubes fosse água, por exemplo, ela não seria potável -o tráfico entre dirigentes e empresários, envolvendo toda categoria de jogadores, é tão lodoso que impede que se veja o fundo.
Com Zico, não apenas o Flamengo se abastece de águas claras e limpas, mas todo o futebol brasileiro fica mais cristalino.


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