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RUY CASTRO
Sebastião republicano
RIO DE JANEIRO - Há algo de dom
Sebastião na volta de Zico ao Brasil
como CEO do futebol do Flamengo.
Lembra a saga do rei português que
foi lutar nas Cruzadas, em 1578, e
não voltou -e, como se esperava
que voltasse, seus sucessores no
trono de Portugal tornaram-se
guardiões da coroa, jamais a usando na cabeça. A imagem clássica do
nosso dom João 6º ao ser aclamado
rei, em 1818, mostra-o com a cabeça
nua e a coroa a seu lado. Àquela altura, 240 anos depois, a volta de
dom Sebastião já era improvável,
mas a crença nunca se abalou.
Em nosso futebol republicano
não há espaço para uma coroa, mas
o anseio rubro-negro pela volta de
Zico -como treinador, cartola, presidente, interventor, o que ele quisesse- inspirou-se nesse sebastianismo redentor. Ele voltaria para
purgar o Flamengo da incompetência ou má-fé com que muitas administrações levaram 30 e tantos milhões de brasileiros -comprovados- a anos de infelicidade.
Zico voltaria para mostrar como
um clube movido a paixão pode ser
guiado pela razão, estancando as
contratações impensadas, os salários irreais (há reservas no Flamengo que ganham R$ 200 mil), a irresponsabilidade crônica e o êxodo de
valores revelados em casa -quase
todos os campeões brasileiros dos
últimos 20 anos tinham jogadores
com origem na Gávea.
E voltaria também para dar um
exemplo de retidão. Em meio a alguns torcedores sinceros que assumem cargos e se sacrificam por
seus clubes, o futebol é propício a
uma cultura de larápios e oportunistas. Se a contabilidade dos nossos clubes fosse água, por exemplo,
ela não seria potável -o tráfico entre dirigentes e empresários, envolvendo toda categoria de jogadores,
é tão lodoso que impede que se veja
o fundo.
Com Zico, não apenas o Flamengo se abastece de águas claras e
limpas, mas todo o futebol brasileiro fica mais cristalino.
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