São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Homossexualismo: novos enfoques

AMAURY CASTANHO

O sr. João Silvério Trevisan retornou, no último dia 28, à seção "Tendências/Debates" da Folha, provando que não deve ter lido o artigo "Sobre o homossexualismo", escrito e assinado por mim, publicado também na Folha (5/7, pág. A3). Se leu, não entendeu ou se faz de desentendido, pois volta a dar mostras de seu radical e virulento anticlericalismo, com asserções subjetivas e injustas contra a Igreja Católica.
Torno a insistir em que o posicionamento da minha igreja coincide com o das várias igrejas ortodoxas, das mais diversas igrejas protestantes e até mesmo com a doutrina de grupos não cristãos, como os muçulmanos, os judeus e outros. Todos nós estamos fundamentados em fortes razões que se firmam na dignidade humana e no respeito à natureza do homem e da mulher. Motivos estritamente religiosos, vétero e neotestamentários, de nossa fé, que aceita a revelação divina, vêm se somar às razões da antropologia, da biologia, da psicologia e de outras ciências.
Desconhecendo os documentos do Concílio Ecumênico Vaticano 2º, convocado e iniciado pelo papa João 23, continuado e encerrado, em 1965, pelo papa Paulo 6º, Trevisan ousa dizer que o atual romano pontífice vem "desmontando" a grande e maior assembléia do episcopado católico dos 20 séculos da história da igreja.
É uma prova de que pode ter lido o ex-franciscano Leonardo Boff, ao qual se refere elogiosamente, mas, com certeza, ignora a constituição pastoral "Gaudium et Spes" ("Alegria e Esperança"), do referido concílio, que recomenda o respeito para com o homem, de maneira que cada um deve considerar o próximo, sem exceção, como ""outro eu" (...) sendo infame tudo que se oponha à vida, como toda espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário, tudo que viole a integridade da pessoa humana (...) que ofende a dignidade da pessoa, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e de homens (...) Todas essas coisas e outras semelhantes (como o homossexualismo), ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonrando mais aqueles que assim procedem do que os que injustamente padecem, ofendendo gravemente a honra devida ao Criador" (Cfr nº 27).
As referências feitas por Trevisan a documentos papais, de sagradas congregações da Cúria Romana e do Pontifício Conselho da Família, mais recentes, são distorcidas e tiradas do seu devido contexto. Ele omite, por exemplo, o que se refere ao homossexualismo e aos homossexuais no Novo Catecismo da Igreja, oficial, em que se lê: "A homossexualidade (...) tem a sua gênese psíquica ainda inexplicada. A tradição da igreja sempre declarou os atos de homossexualidade intrinsecamente desordenados e contrários à ordem natural, fechando o ato sexual ao dom da vida, à verdadeira complementaridade afetiva e sexual (...) Para a maioria, a condição homossexual constitui uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza" (nº 2.357 e 2.358).


A igreja está consciente da distinção clara entre tendência e comportamento homossexual
Esses dois documentos sobrepõem-se aos demais, provando que a igreja, "perita em humanidade" (Paulo 6º), está consciente da distinção clara entre tendência e comportamento homossexual. Ela e seus pastores sabem do drama e dos sofrimentos de muitos homossexuais, exortando esses seus filhos ao respeito entre si mesmos e à superação possível de uma conduta homossexual.
Em meu longo serviço de presbítero e bispo, posso atestar, convivendo com os sacerdotes nas arquidioceses de Campinas, São Paulo e Sorocaba, nas dioceses de Valença e Jundiaí, que são minoria os padres infiéis aos seus compromissos de castidade. Bem menos, lamentavelmente, do que o número de maridos infiéis e adúlteros, agressores, na intimidade de tantos lares, das próprias filhas ou enteadas. Apesar do contratestemunho de alguns, a Igreja Católica, em todas as pesquisas de opinião, é tida como a instituição de maior credibilidade.
Honestamente, não consigo compreender a injuriosa acusação de que a "instituição católica é incapaz de compreender a extraordinária experiência humana (sic) que é o amor em suas diversificadas expressões". Recordo ao articulista que, desde tempos anteriores a Cristo, sempre foi feita uma clara distinção entre amor ("agapé") e paixão ("eros"). Parece que Trevisan imagina que os homossexuais e lésbicas vivam de sorrisos, quando na verdade dão asas aos prazeres da carne, tendo-os como fins. Aos que têm o sexo como fim, e não como meio, tudo é permitido...
Para finalizar, não dá para compreender que "a igreja use o nome de Deus para ganhar poder, com isso atropelando a mensagem evangélica do amor". É evidente que, se a igreja procurasse o poder, há muito estaria coonestando a promiscuidade sexual e a poligamia, o divórcio e o aborto, o adultério e o homossexualismo, expressões da cultura hedonista e de morte, característica dos nossos tempos. Ai de nós e do mundo quando a igreja entrasse pelo caminho do "vale tudo".

Dom Amaury Castanho, 76, jornalista, licenciado em filosofia e teologia pela Pontifícia Universidade Católica Gregoriana de Roma, é bispo emérito de Jundiaí (SP). É autor de, entre outros livros, "A Serviço do Evangelho, do Reino de Deus e dos Homens".


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