|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Depois do lamaçal
O PT e o PSDB pretenderam representar a modernidade e em
nome dela tomar conta da política
brasileira. Encarnaram o atraso. Convergiram para o mesmo projeto: financismo negocista e antinacional,
destinado a subordinar os interesses
do trabalho e da produção às exigências da confiança financeira; política
social compensatória, reduzida a adoçante para dourar a pílula do modelo
econômico, e acertos corruptos entre
o poder e o dinheiro, feitos para negar
ao povo brasileiro o espaço político da
virada econômica e social. Que o Brasil agora vire as costas para esse projeto e para as duas forças rivais que o
abraçaram.
E que o leitor desesperançado reflita
sobre quatro séries de iniciativas a serem tomadas por um governo que ponha fim ao ruinoso ciclo tucano-petista. Nada têm de radicais. São exequíveis com os meios à mão. Contariam
com apoio amplo. Mudariam a fundo
a vida dos brasileiros.
O primeiro grupo de iniciativas tem
a ver com o manejo da dívida pública
e portanto com o juro. Se estivéssemos na situação em que estavam a
Rússia e a Argentina quando fizeram
suas renegociações forçadas, não seria
o fim do mundo, como demonstram
aquelas experiências. Mas não estamos naquela situação. Imagina-se falsamente que ou o mercado é ativo, fixando o juro, e o governo é passivo, ou
o governo é ativo, reordenando forçosamente a dívida, e o mercado é passivo, aceitando a moratória. Mais normal em situação como a nossa seria
tanto o governo quanto o mercado se
engajarem ativamente em jogo de
pressões recíprocas. Se o novo governo anunciasse ao pequeno número de
condutores do mercado financeiro
que passaria a pagar a metade do que
paga hoje -muito mais do que se paga em quase qualquer outro lugar-,
nada aconteceria. Alguns de nossos
maiores financistas o reconhecem, à
boca pequena. O mercado -se é assim que se pode chamá-lo- aceitaria
o mal menor.
A segunda série de medidas diz respeito à informalidade, em que penam
60% de nossos trabalhadores. Nenhum governo no Brasil, nem mesmo
um governo determinado a mudar o
rumo da política econômica tucano-petista, pode assegurar a criação de
milhões de empregos. Pode, isso sim,
tomar medidas que em pouco tempo
garantiriam carteira assinada para todo mundo que trabalhe. O primeiro
passo é abolir todos os encargos sobre
a folha de salário (financiados os direitos por meio dos impostos gerais) e
dar incentivo tributário a quem empregue e qualifique os trabalhadores
mais pobres e menos adestrados. Trabalho e lei se reencontrariam no Brasil.
O terceiro grupo de ações definiria a
melhora da qualidade do ensino público -uma educação de século 21
num país onde sobram energia e engenho e falta capacitação- como a
prioridade suprema da política social.
Isso requer mínimos de investimento
por aluno e de desempenho por escola; monitoramento intenso e intervenções corretivas; ensino capacitador;
apoios generosos aos alunos pobres
talentosos e esforçados. Até que proliferem escolas públicas capazes de
atrair a classe média, em proveito de
todos.
A quarta categoria de avanços romperia os arranjos entre governantes e
endinheirados. Para começar a fazê-lo, não é preciso promulgar nenhuma
lei. Basta que o presidente proíba
qualquer membro do governo de conversar com banqueiros e empresários
sem a presença de observadores da
imprensa e da sociedade civil. Luzes
acesas mudam tudo.
Modesto, não? Transformador, não?
Por que não?
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Lineu e o mensalão Próximo Texto: Frases
Índice
|