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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ainda é tempo

CLÁUDIO WEBER ABRAMO e EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO

Conforme noticiado pela imprensa, durante seminário realizado no dia 19/8 no Tribunal de Contas da União, os ministros José Dirceu e Waldir Pires mais uma vez reafirmaram os compromissos do governo Lula no combate à corrupção. Para Dirceu, parte da responsabilidade pelos vergonhosos índices sociais do país (o adjetivo é dele) cabe à malversação dos recursos públicos por corrupção.
Não poderia estar mais certo o ministro. A relação entre eficiência econômica e corrupção, e suas implicações sobre a pobreza, têm sido sistematicamente frisadas pela Transparência Brasil, única entidade brasileira dedicada exclusivamente a combater a corrupção.
A entidade tem contribuído com consistência para formar o embasamento teórico e empírico sobre o fenômeno da corrupção no Brasil, a que o ministro se referiu em suas declarações.
Sentimo-nos, portanto, autorizados a intervir no debate aberto pelo ministro José Dirceu, ainda mais porque, quando ainda em campanha, o então candidato Lula assinou conosco um "Compromisso Anticorrupção" que elencava uma série de iniciativas voltadas para exercer um combate organizado contra a corrupção no país. Seu programa de governo, divulgado durante a campanha, incorporou a maior parte daquelas iniciativas.


É dever do Estado criar, manter e aperfeiçoar os mecanismos de avaliação de sua própria eficiência


O núcleo fundamental da perspectiva que temos sobre a corrupção é que, para combatê-la, não bastam palavras. Caso ações e programas específicos não sejam desencadeados para prevenir o desvio de recursos públicos e o abuso de poder, não há possibilidade de reduzir a ineficiência econômica por meio da punição a fatos consumados. A literatura econômica é farta na demonstração de que, em qualquer situação e em qualquer país, de modo a instituir mecanismos de detecção e punição capazes de lidar com um certo grau de corrupção, seria necessário investir muito mais do que os montantes economizados ou recuperados pela ação repressiva.
É evidente que é necessário reprimir, mas, sob a perspectiva econômica, prevenir é muito mais eficiente -perspectiva essa que, conforme bem lembrou o ministro Dirceu, é a que interessa.
O fato fundamental da corrupção não é a existência de indivíduos imorais, mas a oportunidade para o abuso de poder, aproveitada por essas pessoas. Assim, de forma a reduzir as perdas econômicas decorrentes da corrupção, é necessário atacar as oportunidades que propiciam o arbítrio dos agentes públicos que agem em conluio com os interesses privados beneficiados. Tais oportunidades aparecem nos regulamentos e nos mecanismos administrativos, alimentando-se da falta de articulação entre organismos e do mau fluxo de informações. Isso inclui aquelas informações às quais o público tem direito constitucional teórico de acesso, mas que, na prática, permanecem inacessíveis por entraves decorrentes de ineficiência, insegurança e má-fé.
Excetuando algumas poucas repartições, o Estado brasileiro carece de instrumentos destinados à medida sistemática da ineficiência administrativa (incluindo, mas não limitando-se à, corrupção), de forma que o autodiagnóstico é prejudicado. Tomemos, por exemplo, a área de licitações públicas, em que a eficiência é fundamental -e num sentido muito mais amplo do que o da simples prevenção da corrupção.
O Estado precisa se assegurar de que realiza as suas compras da forma mais eficiente possível. Pois bem, não apenas há muitas dúvidas a respeito da justeza da aplicação da lei em muitos órgãos, como a própria entrega dos bens e serviços adquiridos por licitação pública deixa de ser atestada com os devidos cuidados. Em outras palavras, o público não tem uma garantia razoavelmente ampla de que os bens e serviços que o Estado licita e paga são entregues conforme a especificação contratual. Quanto se desperdiça no Brasil por ineficiências dessa natureza? Ninguém sabe responder a isso com números -o que, naturalmente, estimula o exercício do "chute".
É dever do Estado criar, manter e aperfeiçoar os mecanismos de avaliação de sua própria eficiência. Para governantes que de fato têm o interesse público como prioridade, diríamos que é também dever político.
Não se consegue alterar um estado de coisas opaco e ineficiente, que todas as avaliações indicam ser sistêmico, senão por diretiva política vinda do alto. É isso o que, uma vez mais, a Transparência Brasil insta o governo a fazer, pois ainda é tempo: criar um programa centralizado de combate à corrupção, para o estudo das condições propiciadoras do fenômeno, o traçado de mapas de risco setoriais, o desenvolvimento de melhores práticas, o estabelecimento de metas e a criação e acompanhamento de indicadores de desempenho.

Cláudio Weber Abramo, matemático pela USP e mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp, é secretário-geral da Transparência Brasil. Eduardo Ribeiro Capobianco, 51, administrador de empresas pela FGV, é presidente do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.

Site: www.transparencia.org.br



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