São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Recurso ao nacional

A poucos dias de mais um 7 de Setembro, o nacionalismo volta a dar sinais de sua graça. O governo estimula campanhas pela auto-estima do brasileiro. Os índices de crescimento econômico trazem uma pálida lembrança dos tempos de "Brasil grande". E o desempenho de nossas equipes olímpicas garantiu alguma ressonância social aos apelos do Planalto. A globalização reacendeu surtos de nacionalismo pelo mundo afora. Ao contrário do nacionalismo "progressista" do século 20, que anunciava um novo horizonte no futuro dos países pobres, o atual é reativo e regressivo. Respalda-se em modos de vida já superados pela técnica, aferra-se a fanatismos religiosos, degenera facilmente em tribalismo e mera xenofobia. Mas não é desse nacionalismo que se trata no caso brasileiro. Aqui, qualquer sinal de esgotamento no ultraliberalismo que varreu o mundo nas duas últimas décadas é visto como senha para a eclosão de um "novo" nacionalismo, que seria caracterizado pela adoção de políticas racionais e afirmativas em defesa do interesse nacional, esse conceito sempre tão vago. É útil evitar que palavras com conotação emocional confundam os raciocínios. É provável que a globalização já tenha avançado demais para que se possa pensar num retorno ao modelo do Estado como indutor do desenvolvimento. Em todos os sentidos, o raio de ação dos Estados nacionais é hoje menor do que no século 20. Suas mazelas e perversões são hoje bem mais conhecidas, também, do que eram. Mas os Estados nacionais competem, talvez mais do que nunca, por investimentos e acesso a mercados. O que parece ocorrer é uma associação crescente entre Estado nacional e interesses empresariais incrustados apenas em parte dentro de suas fronteiras. Quanto maiores o peso específico e o dinamismo de uma economia nacional, mais o Estado que lhe corresponde poderá negociar com dureza e se mostrar "nacionalista". Aos poucos, de forma claudicante e limitada, o Brasil tem sabido encontrar oportunidades desse tipo. Não é mérito do governo Lula, mas do desempenho conjunto do país ao longo dos anos. Do ângulo político, porém, o nacionalismo assim "atualizado" é um instrumento de poder que muito convém à atual administração. Sempre que alguém estiver interessado em apagar divisões internas (aquelas que o PT cultivou na oposição, por exemplo) e apresentar-se como porta-voz da sociedade inteira, o nacionalismo será evocado. Mais ainda quando o governante que o evoca procura fugir às contradições que o cercam lançando um compromisso emotivo, irracional, com o "povo".
 
Depois de dez anos escrevendo esta coluna semanal, desde junho de 1994, creio que chegou a hora de uma pausa para renovar idéias e opiniões: minhas e dos eventuais leitores. Agradeço os estímulos, críticas e comentários recebidos ao longo desse tempo. Devo continuar a escrever de forma esporádica em outras seções do jornal.


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