São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O que vale a pena

RIO DE JANEIRO - Nada do que valha a pena aprender pode ser ensinado. A frase deveria vir com as aspas, não é minha, é de Oscar Wilde, que, entre mortos e feridos, ficou mesmo como um dos maiores frasistas de todos os tempos.
Aprendi pouco na vida, embora muito me tenham ensinado, desde as boas maneiras na mesa, a dar laço na gravata, a fazer barba, quando um burro falar, o outro burro, que sou eu, ficar calado. Aprendi até mesmo as regências irregulares dos verbos latinos. De quebra, chegaram a me ensinar a tocar "Oh Suzana, não chores por mim..." numa gaitinha de boca. Foi, aliás, uma das pouquíssimas coisas que teria alguma valia, naquela época eu tinha um problema na vista e medo de ficar cego.
Sabendo tocar a gaitinha, embora com modesto repertório e má execução, poderia abrigar-me na escadaria de uma igreja, ou sob uma marquise qualquer, sempre pingariam tostões para matar minha fome.
Agora, quis realmente aprender outras coisas que nunca me foram ensinadas. Por exemplo: como fazer para responder ao cumprimento de um sujeito que me abraça, que fica roçando em mim, lembrando coisas que não lembro, nem mesmo lembrando seu nome, ofício e condição?
Outro dia, esbarrei com um desses, muito jovial, jucundo, deu-me palmadinhas nas costas, elogiou minha forma física, mal sabendo que estou em crise quase terminal, na alma e no corpo. Falou num tal de Paranhos que havia sido nosso amigo não sei aonde, Paranhos morrera, pneumonia dupla, pensava sempre em mim, falava sempre em nós. Bons tempos, mas assim era a vida, que só nos ensina aquilo que a gente não tem interesse em saber.
Levei um susto. De certa forma, em outras palavras, a ordem das parcelas não alterando o resultado, o cara repetira a mesma frase de Oscar Wilde. Devia ser um gênio que eu ignorara e, pior, pior mesmo, esquecera.


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