|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
O que vale a pena
RIO DE JANEIRO - Nada do que valha a pena aprender pode ser ensinado. A frase deveria vir com as aspas,
não é minha, é de Oscar Wilde, que,
entre mortos e feridos, ficou mesmo
como um dos maiores frasistas de todos os tempos.
Aprendi pouco na vida, embora
muito me tenham ensinado, desde as
boas maneiras na mesa, a dar laço
na gravata, a fazer barba, quando
um burro falar, o outro burro, que
sou eu, ficar calado. Aprendi até mesmo as regências irregulares dos verbos latinos. De quebra, chegaram a
me ensinar a tocar "Oh Suzana, não
chores por mim..." numa gaitinha de
boca. Foi, aliás, uma das pouquíssimas coisas que teria alguma valia,
naquela época eu tinha um problema na vista e medo de ficar cego.
Sabendo tocar a gaitinha, embora
com modesto repertório e má execução, poderia abrigar-me na escadaria de uma igreja, ou sob uma marquise qualquer, sempre pingariam
tostões para matar minha fome.
Agora, quis realmente aprender outras coisas que nunca me foram ensinadas. Por exemplo: como fazer para
responder ao cumprimento de um
sujeito que me abraça, que fica roçando em mim, lembrando coisas
que não lembro, nem mesmo lembrando seu nome, ofício e condição?
Outro dia, esbarrei com um desses,
muito jovial, jucundo, deu-me palmadinhas nas costas, elogiou minha
forma física, mal sabendo que estou
em crise quase terminal, na alma e
no corpo. Falou num tal de Paranhos
que havia sido nosso amigo não sei
aonde, Paranhos morrera, pneumonia dupla, pensava sempre em mim,
falava sempre em nós. Bons tempos,
mas assim era a vida, que só nos ensina aquilo que a gente não tem interesse em saber.
Levei um susto. De certa forma, em
outras palavras, a ordem das parcelas não alterando o resultado, o cara
repetira a mesma frase de Oscar Wilde. Devia ser um gênio que eu ignorara e, pior, pior mesmo, esquecera.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Tudo a seu tempo Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Recurso ao nacional Índice
|