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JOSÉ SARNEY
Da felicidade
Deu-me desejo de escrever sobre esse tema quando participei,
em São José de Ribamar, cidade referência de peregrinação religiosa no
Maranhão, de um festival de literatura
-uma réplica pobre do de Parati-
que reúne intelectuais e leitores para
discutir e divagar sobre os temas da
cultura, principalmente da criação literária.
Quando fiz uma palestra sobre o
aparecimento da linguagem, a escrita
e o livro, na fase de perguntas, apareceu uma moça e pediu para ler um
poema sobre São Luís. Versos simples, de uma beleza ingênua, mas
cheio de profundo sentimento de
amor à cidade cantada por todos como "dos mirantes e azulejos". Depois,
apresentou-se, para emoção de todos:
"Sou gari, há oito meses limpo a cidade. Não digo que não seja alvo de discriminação. Todo trabalho é digno. E
tenho a maior felicidade. Sou feliz porque passo o dia limpando, com amor e
carinho, a minha cidade de São Luís".
Gorete era a poetisa anônima que dava um comovido exemplo de vida e foi
o ponto alto do evento. Meditei profundamente sobre o tema da felicidade. Como a desperdiçamos no abandono de viver. Como ela brota e floresce escondida. Sempre ficamos tão presos e mergulhados nas cobranças que
nos esquecemos da felicidade.
Um dos mais belos discursos que já
ouvi foi do senador Agenor Maria,
eleito pelo Rio Grande do Norte em
1974. Ele era um homem simples, tinha sido lavrador e marinheiro. Falou
de sua vida e terminou dizendo que
não eram as luzes do Senado que o seduziam: "O tempo mais feliz da minha
vida foi quando eu entregava água em
Caicó, no sertão, de porta em porta.
Não tinha preocupações nem angústias. Minha alegria eram o meu jumento, os meus fregueses e a água. Ali
residia a minha felicidade". Nunca esqueci suas palavras e, na lembrança,
vinculei-as às de Gorete. Um poema e
um discurso, referências da arte de ser
feliz.
Há dois dias, num excelente artigo,
Augusto Marzagão escreveu: "Estou
farto de CPIs, escândalos, denúncias,
mentiras deslavadas, jogo de traições e
tramas urdidas que enojam a gente".
Talvez não seja hora de desviarmos os
olhos da alma das coisas más e descobrir a semente do renascimento de
coisas mais puras e mais dignas? A democracia se testa e melhora quando
vemos suas vulnerabilidades e procuramos acabá-las.
Na política, as palavras mais fortes
que falam da felicidade são de Jefferson, quando, na Declaração de Independência dos Estados Unidos, colocou na linha dos direitos humanos a
busca da felicidade. Este texto é o mais
alto nas idéias políticas do Ocidente:
"Todos os homens nascem iguais; o
Criador confere a todos certos direitos
inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade". Essa "busca da felicidade" tornou-se um símbolo, como se fosse ela
a razão de todos os direitos, a utopia
individual de ser feliz.
Mas o que é ser feliz? Um provérbio
alemão diz que a felicidade é como o
arco-íris, "não se vê nunca em casa
própria, e sim na casa do vizinho".
Agenor Maria e Gorete são temas de
reflexão nestes dias em que nos sentimos tão infelizes e não conseguimos
olhar o céu.
Estudei muito latim. Bogéa, um colega meu, já nas agruras da vida, vendedor no Rio, me disse: "O latim que
estudamos não nos serviu de nada".
Ele embalava batatas. Portanto, nesta
oportunidade rara, dou-me o gosto de
um latinzinho: "Felix est non aliis qui
videtur, sed sibi". Mais ou menos o
que se diz no Nordeste: "Feliz é quem
feliz se julga". Ponto.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
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