São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O voto deveria ser facultativo?

SIM

Votar é um direito do cidadão

DAVID FLEISCHER

As pessoas que são favoráveis à manutenção do voto obrigatório no Brasil partem dos princípios de que o voto é um dever do cidadão e de que o Estado tem que obrigar o cidadão a exercer este dever e ainda tutelar todos neste sentido.
Este raciocínio afirma que a população brasileira não tem consciência da importância deste dever para a manutenção da democracia e que, se o voto não fosse obrigatório, os "menos esclarecidos" (ou seja, os com pouca escolaridade) deixariam de votar -por isso, a necessidade da tutela oficial para obrigá-los a praticar o sufrágio com consequências negativas e multas caso o cidadão deixe de votar.
Porém, as pessoas que pensam ao contrário -que o voto seja um direito do cidadão, que ele pode exercer se quiser- são favoráveis ao conceito do voto facultativo.
A comparação é com a carteira nacional de habilitação. A pessoa com o requisito mínimo (18 anos) tem o direito de tirar uma carteira de motorista -não é obrigatório, mas, sim, um direito que o cidadão pode exercitar se quiser.
Quando o voto obrigatório foi instituído no Brasil, no Código Eleitoral de 1932, e reafirmado no Código de 1950, a questão dos eleitores "pouco esclarecidos" talvez tenha tido mais relevância -tendo em vista a baixa escolarização do eleitorado naquela época.
Sessenta anos atrás, o eleitorado brasileiro era muito pequeno em função da não inclusão dos analfabetos. Mesmo entre os alfabetizados que conseguiram se alistar como eleitores o nível de escolarização era muito baixo.
Em 1933, o eleitorado que elegeu a Constituinte de 1934 contou com 1.466.700 eleitores (3,7% da população). Em 1945, o eleitorado era de 7.499.670 (13,4% da população).
Ainda com a exclusão dos analfabetos, em 1960 o eleitorado era de apenas 22,2% da população. Mas, em 2010, com a inclusão dos analfabetos na Constituição de 1988, o eleitorado de 136 milhões já é de 70,8% da população brasileira.
Por outro lado, o argumento de que o voto tem que ser obrigatório porque grande parte do eleitorado é "pouco esclarecido" não tem mais relevância, como talvez tivesse nos anos 1950.
Embora grande parte do eleitorado em 2010 não tenha acesso aos jornais, quase todos têm acesso ao rádio e à televisão, pelos quais recebem uma quantidade grande de informações sobre o sistema político brasileiro, os governos e os candidatos às eleições.
As pesquisas de opinião mostram claramente que, sim, os eleitores brasileiros estão bastante esclarecidos sobre a política.
Outro argumento a favor do voto obrigatório é o de que, se fosse facultativo, "os pobres deixariam de votar". Mas pesquisas sucessivas do Datafolha mostram o contrário -uma "curva em U", em que os pobres e os mais ricos continuariam votando, e justamente a classe média (alienada?) deixaria de votar.
Com o voto facultativo, as pressões sobre os eleitores com "menos autonomia" para tutelar seu voto seriam reduzidas por não contar mais com a coação da obrigatoriedade. Os partidos teriam que "convencer" os eleitores a votar.
Um argumento contra o voto facultativo é que este reduz a participação eleitoral, como nos Estados Unidos, onde tanto o alistamento como o voto são facultativos; às vezes, o comparecimento no país não chega a 40% dos aptos a votar.
No 1º turno das eleições municipais em 2008, o comparecimento do eleitorado brasileiro chegou a cerca de 85%. Nos países que têm o voto facultativo, ninguém questiona a legitimidade das eleições.
Durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), o PT apresentou uma proposta interessante: que o alistamento continuasse obrigatório, mas que o voto fosse facultativo. Quem sabe esse assunto venha a ser contemplado na reforma política em 2011?


DAVID FLEISCHER, 69, doutor em ciência política pela Universidade da Flórida em Gainesville (EUA), é professor emérito da Universidade de Brasília e membro do conselho diretor da Transparência Brasil.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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