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TENDÊNCIAS/DEBATES
A teoria e a prática
LUIZ EDUARDO MELIN
"Não há nada mais prático do que uma boa
teoria."0Kurt Lewin
O debate público brasileiro em matéria econômica ficou ainda mais divertido ao longo deste ano, ao menos para
os apreciadores do humor "nonsense".
Isso fica patente nas previsões catastroficamente equivocadas feitas logo
após a mudança do regime cambial,
tanto pelas viúvas do câmbio fixo como, menos compreensivelmente, por
muitos dos que vinham de longa data
combatendo esse regime. Ou ainda nos
radicalismos gritadores que nos ameaçam com o caos e a perdição caso não
se declare uma moratória "soberana"
externa e interna para fechar o país numa autarcia ou caso não se o escancare
numa mercearia global.
Mas o mais divertido mesmo é o contraste entre a retórica neoliberal oficial
e o pragmatismo macroeconômico
adotado pelo governo desde o início do
ano. A oposição, indignada, parece
acreditar que o governo faz o que diz e
produz verdadeiras pérolas com o intuito de mudar uma política que o governo, afinal, não segue.
Os defensores da linha oficial do governo continuam a insistir nos discursos do "ajuste fiscal" e das "reformas"
como o único caminho a seguir para o
"desenvolvimento com estabilidade"
(antes era para a "preservação do
real"). Esses discursos já não tinham
nenhum fundamento quando vigia a
política anterior de argentinização do
Brasil e hoje se tornaram totalmente fora de propósito, já que nenhuma das
ações de política econômica em curso
depende dos objetivos de equilíbrio fiscal e de reforma institucional preconizados no nhenhenhém oficial.
No entanto, a "macroeconomia do
lar" (termo cunhado por Kalecki e recentemente revivido por Rogério Studart) e a "macroeconomia legislativa"
continuam a frequentar alegremente
pronunciamentos de autoridades. Segundo esses discursos escalafobéticos:
a) a administração das contas públicas segue os mesmos princípios da administração das contas de uma família,
não importando que esta não tenha o
controle integral do custo de suas dívidas, como um governo tem, nem que a
dívida pública nunca será liquidada como uma dívida familiar; e
b) uma vez feitas alterações no estatuto jurídico da Previdência, do funcionalismo, da propriedade e atuação das
estatais, dos tributos, do sistema eleitoral etc., os problemas econômicos do
Brasil -filigranas como emprego,
crescimento, balanço de pagamentos,
distribuição de renda- estarão resolvidos automaticamente.
Seria de esperar que a oposição estivesse com a faca e o queijo para pôr a
nu a falta de fundamento e mesmo de
coerência do discurso econômico oficial. Contudo o que vemos é um alegre
desfile de platitudes, imprecisões e generalidades a favor do que é bom e contra "tudo o que aí está", que aumenta a
confusão no debate.
Premidos a manifestarem-se com um
pouco menos de vaguidão, os opositores abrem seu "saco
de bondades", para
de lá retirar âncoras
monetárias e paridade cambial com uma
cesta de moedas (na
época do auge da crise), e dizem que solverão o problema do
emprego com "estímulos às pequenas e
médias empresas" e
diminuição dos encargos trabalhistas; a questão da produção agrícola seria resolvida com uma
reforma agrária "abrangente".
Há também os equivalentes econômicos do leitor de bulas, que saem por
aí falando na tal da poupança interna
como sendo o santo gral do crescimento. Tenham paciência: o fato de que a
poupança interna se forma a partir do
crescimento econômico, não sendo,
então, seu pré-requisito, foi reconhecido há tempos até pelo "movimento dos
sem-Serra" (nome dado por Franklin
Serrano a políticos e economistas que
desde a Nova República aguardam a
"hora feliz, sempre adiada", como diria
Vicente de Carvalho, em que José Serra
será chamado a encabeçar um superministério da Economia).
Diante disso, não admira que um governador de oposição tenha se confundido e declarado que a "teoria do governo é boa, mas a prática é ruim". Não
admira que a população tenha reeleito
esse lamentável governo cuja irresponsabilidade social só encontra equivalência em sua temeridade institucional.
Certamente o povo não votou pela
ideologia esdrúxula dos iluminados do
real, que a realidade forçaria a rever
pouco depois da eleição. Votou por
uma inflação sob controle e é só.
Vemos um alegre desfile de platitudes a favor do que é
bom e contra "tudo o que aí está"
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Onde está o erro? As oposições estão
fazendo um trabalho político admirável de mobilização e conscientização da
sociedade quanto aos malefícios da
"política de desconstrução nacional"
do atual governo e da perpetuação das
desigualdades no país. Mas o discurso
econômico tem de ser aprimorado. E
logo: se continuar esperando chegar ao
poder para fazê-lo, essa poderá ser
mais uma "hora sempre adiada".
Pois à margem do debate e por sobre
a inânia das declarações
oficiais, o fato é que o
governo vem fazendo
uma gestão macroeconômica competente, administrando os dois
principais preços da
economia com intervenções eficazes e oportunas no mercado de
câmbio e com um trabalho consistente visando
à queda continuada das
taxas de juros. Não se enganem: isso resultará numa visível melhoria dos indicadores de conjuntura a partir do ano
que vem.
Os opositores da linha oficial têm de
estar prontos para confrontar esse fato.
Devem esclarecer à sociedade que o
pragmatismo não aprisiona e que a política econômica de um país como o
Brasil não se resume a uma gestão das
variáveis macro, além de apontar com
clareza as medidas práticas necessárias
para produzir melhorias estruturais no
crescimento e no emprego, e não meras
"bolhas". Do contrário o nexo do debate econômico continuará mais duvidoso que o PPA, deixando o governo mais
uma vez numa ótima posição para afirmar que estava certo todo o tempo em
seu discurso de ajustes e reformas e para convencer os mais incautos da perigosa falácia de que a teoria, na prática, é
outra.
Luiz Eduardo Melin, 37, economista e cientista político, é professor do Departamento de Direito da PUC
(Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro.
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