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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Barreiras aos produtos brasileiros nos EUA

RUBENS BARBOSA


O Brasil vem perdendo, nos últimos anos, participação no mercado dos EUA, hoje reduzida a cerca de 1%

O relatório anual de barreiras comerciais dos EUA, preparado pela embaixada em Washington, descreve políticas do governo norte-americano que restringem o acesso de produtos e serviços brasileiros ao mercado daquele país, pondo em evidência a contradição entre o discurso livre-cambista dos EUA e determinadas práticas de sua política comercial. O texto da edição de 2003, que acaba de ser divulgado, já está disponível na página da embaixada (www.brasilemb.org) e será publicado pela Edições Aduaneiras para distribuição no próximo Enaex, em novembro.
Os principais assuntos novos são a lei do bioterrorismo (controles adicionais na importação de alimentos) e a ameaça de investigação antidumping e/ou anti-subsídios contra o camarão brasileiro, além da possibilidade de manutenção das salvaguardas para o aço.
Em 2002, os EUA absorveram mais de 25% das exportações brasileiras e passaram à frente da União Européia como principal mercado importador do Brasil. Além disso, os EUA são os maiores compradores de produtos manufaturados brasileiros (35,62% do total exportado pelo Brasil em 2002, contra 16,47% para a UE).
Como regra geral, o regime de comércio exterior dos EUA é aberto. Em 2000, sua tarifa média nominal estava em 5,4% (10,6% para produtos agrícolas e 4,5% para não-agrícolas). A baixa média das tarifas de importação dos EUA, contudo, encobre picos, escaladas e quotas tarifárias que protegem setores menos competitivos de sua economia. Essa situação é assim ilustrada em relatório do secretariado da OMC: "As tarifas mais altas se aplicam especialmente a importações de produtos agroalimentícios e tabaco, bem como vestuário, têxteis e calçados (...) Quotas tarifárias são aplicadas a importações de carne bovina, laticínios, açúcar e alguns de seus derivados, amendoins, tabaco e algodão. A tarifa média (NMF) intraquota em 2000 era de 9%, enquanto a tarifa média extraquota correspondente era de 53%. Tarifas extraquota, alcançando valores de até 350%, podem representar uma proibição de importação".
Esse protecionismo "seletivo" dos EUA reflete-se na comparação, em 2002, entre a tarifa nominal média do Brasil para os 20 principais produtos de exportação norte-americanos, de 11,54%, e a tarifa média nominal dos EUA para os 20 principais produtos de exportação brasileira, de 44,4%. Nos EUA, o equivalente "ad valorem" da tarifa extraquota do açúcar bruto é de 234%; e de 208% no caso do açúcar refinado. A tarifa extraquota do tabaco atinge o nível proibitivo de 350%. O equivalente "ad valorem" da tarifa para o suco de laranja foi de 52% em 2002. No caso do Brasil, a tarifa máxima consolidada na OMC é de 35%; e de 55% para poucos produtos agrícolas (mas não efetivamente aplicadas).
Carnes de aves, bovina e de suínos estão excluídas do mercado norte-americano por razões de ordem sanitária. Produtos têxteis estão submetidos a quotas. Produtos siderúrgicos são o principal alvo de investigações antidumping e de direitos compensatórios, com prejuízo de US$ 2 bilhões no período 1991-2001. Não bastassem as barreiras propriamente ditas, os pesados subsídios à agricultura doméstica também dificultam o acesso ao mercado norte-americano e distorcem a concorrência em terceiros mercados.
O Brasil vem perdendo, nos últimos anos, participação no mercado dos EUA, hoje reduzida a cerca de 1%. Em 1985, o Brasil exportava US$ 7,5 bilhões para os EUA, em comparação com US$ 3,8 bilhões da China, US$ 10 bilhões da Coréia do Sul e US$ 19 bilhões do México. Em 2002 o Brasil logrou aumentar suas vendas para US$ 15,8 bilhões, enquanto a Coréia do Sul passou para US$ 35,5 bilhões e a China e o México atingiram US$ 125 bilhões e US$ 134,7 bilhões, respectivamente.
As barreiras norte-americanas não são, assim, a única explicação para as deficiências no desempenho exportador do Brasil. Tais deficiências decorrem também de fatores internos: limitações na oferta exportadora; ausência de uma cultura exportadora consistente; custo Brasil (aspectos logísticos, carga tributária, infra-estrutura deficiente).
No que diz respeito às barreiras norte-americanas, o quadro político e econômico nos EUA hoje não permite maior otimismo quanto a mudanças no núcleo duro de seu protecionismo "seletivo". As eleições de 2004, presidenciais inclusive, limitam o espaço político para negociações comerciais, e o protecionismo vem adquirindo força cada vez maior no Congresso em Washington.
Ainda assim, os EUA continuam a ser o maior e mais importante mercado do mundo, com grandes oportunidades a serem exploradas. O governo brasileiro continuará a se empenhar em negociações bilaterais, hemisféricas (Alca) e multilaterais (OMC) para buscar remover as barreiras no acesso ao mercado norte-americano, ao mesmo tempo em que busca, em parceria com o setor privado, encaminhar soluções para os problemas de natureza interna que afetam nossa capacidade exportadora em geral.


Rubens Antonio Barbosa, 65, diplomata, é embaixador do Brasil em Washington. Foi embaixador no Reino Unido.


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