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CLÓVIS ROSSI
O grito e o pacto
MONTEVIDÉU - O sociólogo argentino-brasileiro Guillermo
O'Donnell, dos melhores do planeta, criticava, anos atrás, a transição
brasileira para a democracia por ter
sido "todos com todos". Queria dizer que todos os partidos do establishment uniram-se na mal chamada "Nova República", exceção
feita ao PT, que, àquela altura, nem
era "mainstream" nem era grande o
suficiente para atrapalhar.
Ao ouvir o chamamento do presidente Lula a todos, oposição inclusive, o cheiro de "todos com todos"
volta às narinas. Como se sabe, a
transição foi muito bem-sucedida
do ponto de vista institucional, a
ponto de levar o país a ter o mais
amplo elenco de liberdades públicas de sua história.
Mas, econômica e socialmente, a
história foi outra.
Minha má vontade em relação a
essa "concertación" ampla, geral e
irrestrita foi abalada ontem ante
ponderações de Joaquín Estefanía,
notável colunista de "El País" (Espanha), também diretor da Escola
de Jornalismo desse cotidiano, sobre os Pactos de Moncloa, o acordão feito na Espanha para aplainar
a transição para a democracia.
Estefanía diz, primeiro, que o importante do pacto não foi o seu conteúdo, mas o fato de ter sido assinado por todos os partidos principais,
sinalizando um rumo que não seria
alterado com as inevitáveis mudanças de governo.
Diz também que é fundamental
que os sacrifícios previstos em
acordos do gênero sejam "compartilhados igualmente".
Interessante. Mas pode-se reproduzir no Brasil algo assim? Tenho
minhas dúvidas, porque os partidos
políticos representam muito pouco
e defendem apenas projetos de poder, não projetos de país.
De todo modo, fica o registro,
porque o Brasil precisa efetivamente de um pacto para o crescimento,
hoje um grito consensual que, entretanto, não se plasmou em uma
agenda política mínima.
crossi@uol.com.br
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