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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Juro, dívida, câmbio
Em 1960, a renda per capita do Brasil era duas vezes e meia a renda
per capita da Coréia do Sul. Hoje, a
renda per capita da Coréia do Sul é
duas vezes e meia a renda per capita
do Brasil. O governo de um partido
que se diz dos trabalhadores preside o
aumento significativo do desemprego
e a queda espetacular da renda dos
trabalhadores. E radicaliza nas políticas do governo anterior, a que, contraditoriamente, atribui a culpa por essa
calamidade. Tudo em nome de transição sem fim.
O Brasil só pode sair dessa sob a liderança de nova força política que proponha outro rumo ao país. Hoje, trato
de três elementos da transição econômica: juro, dívida e câmbio. Não definem o caminho de que precisamos.
Sem enfrentá-los, porém, não chegaremos lá.
A reorientação necessária exige persistência no enorme sacrifício fiscal
que o Brasil vem fazendo. Sacrifício
que deve ser usado, porém, não para
servir aos mercados financeiros, mas
para libertar o governo da dependência deles sem trazer a inflação de volta.
O juro real precisa cair abaixo da taxa média de retorno dos negócios, o
que significa que o juro nominal há de
ser menos da metade do que é hoje. Só
essa queda profunda do juro, junto
com a elevação da renda popular, pode sustentar novo ciclo duradouro de
crescimento. E como se eleva em pouco tempo a renda popular? Aumentando o salário mínimo, implementando o princípio constitucional de
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, subsidiando diretamente ou por concessões tributárias
o emprego e a qualificação dos trabalhadores mais pobres e quebrando o
cartel dos bancos para democratizar o
crédito.
Apesar das rendições do governo, o
mínimo de juro aceitável aos mercados financeiros continua mais alto do
que o máximo de juro compatível
com o crescimento. Daí a necessidade
de renegociar a dívida pública. Não se
trata nem de calote nem de "sim, senhor". Trata-se de torcer braços, tal
como acontece no mundo real, sob
condições de resguardo, inclusive
controles sobre a saída do capital brasileiro. Não significa o apocalipse, como demonstram tantos exemplos
contemporâneos. Reage a apocalipse
que já está instaurado entre nós.
E desvalorizar o câmbio. Qualquer
retomada do crescimento econômico
correria o risco de ser abortada no
nascedouro por crise de balança de
pagamentos. O câmbio que nos convém é o mais baixo que conseguirmos
sem que tenhamos de fixar a taxa
cambial ou de expor o país a uma venda de ativos brasileiros a preço de banana. Os tutores-bajuladores de Lula
repetem a lição de manual que ajudou
a arruinar o país no primeiro mandato de FHC: desvalorizar o câmbio seria
reduzir o salário real e premiar a ineficiência de nossos exportadores. Como
se numa economia relativamente fechada e radicalmente desigual a valorização cambial, engendrada por muito juro e muita submissão, aproveitasse a massa trabalhadora em vez de
prejudicá-la. E como se a desvalorização não fosse compensação modesta
pelos ônus que pesam sobre a atividade produtiva no Brasil.
Tudo mero bom senso. Bom senso
que não levaremos ao poder sem
grande e generosa proposta que esclareça, anime e conquiste o Brasil. E que
ponha no lugar da política criminosa
de um governo perdido as ousadias de
uma alternativa produtivista, moralizadora e democratizante.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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