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São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Juro, dívida, câmbio

Em 1960, a renda per capita do Brasil era duas vezes e meia a renda per capita da Coréia do Sul. Hoje, a renda per capita da Coréia do Sul é duas vezes e meia a renda per capita do Brasil. O governo de um partido que se diz dos trabalhadores preside o aumento significativo do desemprego e a queda espetacular da renda dos trabalhadores. E radicaliza nas políticas do governo anterior, a que, contraditoriamente, atribui a culpa por essa calamidade. Tudo em nome de transição sem fim.
O Brasil só pode sair dessa sob a liderança de nova força política que proponha outro rumo ao país. Hoje, trato de três elementos da transição econômica: juro, dívida e câmbio. Não definem o caminho de que precisamos. Sem enfrentá-los, porém, não chegaremos lá.
A reorientação necessária exige persistência no enorme sacrifício fiscal que o Brasil vem fazendo. Sacrifício que deve ser usado, porém, não para servir aos mercados financeiros, mas para libertar o governo da dependência deles sem trazer a inflação de volta.
O juro real precisa cair abaixo da taxa média de retorno dos negócios, o que significa que o juro nominal há de ser menos da metade do que é hoje. Só essa queda profunda do juro, junto com a elevação da renda popular, pode sustentar novo ciclo duradouro de crescimento. E como se eleva em pouco tempo a renda popular? Aumentando o salário mínimo, implementando o princípio constitucional de participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, subsidiando diretamente ou por concessões tributárias o emprego e a qualificação dos trabalhadores mais pobres e quebrando o cartel dos bancos para democratizar o crédito.
Apesar das rendições do governo, o mínimo de juro aceitável aos mercados financeiros continua mais alto do que o máximo de juro compatível com o crescimento. Daí a necessidade de renegociar a dívida pública. Não se trata nem de calote nem de "sim, senhor". Trata-se de torcer braços, tal como acontece no mundo real, sob condições de resguardo, inclusive controles sobre a saída do capital brasileiro. Não significa o apocalipse, como demonstram tantos exemplos contemporâneos. Reage a apocalipse que já está instaurado entre nós.
E desvalorizar o câmbio. Qualquer retomada do crescimento econômico correria o risco de ser abortada no nascedouro por crise de balança de pagamentos. O câmbio que nos convém é o mais baixo que conseguirmos sem que tenhamos de fixar a taxa cambial ou de expor o país a uma venda de ativos brasileiros a preço de banana. Os tutores-bajuladores de Lula repetem a lição de manual que ajudou a arruinar o país no primeiro mandato de FHC: desvalorizar o câmbio seria reduzir o salário real e premiar a ineficiência de nossos exportadores. Como se numa economia relativamente fechada e radicalmente desigual a valorização cambial, engendrada por muito juro e muita submissão, aproveitasse a massa trabalhadora em vez de prejudicá-la. E como se a desvalorização não fosse compensação modesta pelos ônus que pesam sobre a atividade produtiva no Brasil.
Tudo mero bom senso. Bom senso que não levaremos ao poder sem grande e generosa proposta que esclareça, anime e conquiste o Brasil. E que ponha no lugar da política criminosa de um governo perdido as ousadias de uma alternativa produtivista, moralizadora e democratizante.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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