UOL




São Paulo, terça-feira, 02 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Juros na mesa de negociação

LUIZ MARINHO

A partir de uma proposta da CUT, o governo lançou a medida provisória nš 130 e o decreto-lei nš 4.840, ambos de 17/9/03, regulamentando o crédito com desconto em folha de pagamentos e estabelecendo processos mais transparentes de implementação desse mecanismo.
Com isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou um importante marco na história das relações entre capital e trabalho no Brasil: a negociação envolvendo centrais sindicais e instituições financeiras visando a redução das taxas de juros e, dessa forma, a oferta de crédito aos trabalhadores em condições mais favoráveis do que as atuais.
Não que o país tenha resolvido, com essa medida, os problemas do seu sistema financeiro. Basta dizer que, conforme recente pesquisa do Banco Mundial, os "spreads" bancários no Brasil são os maiores do mundo -e são muito superiores a qualquer margem obtida na atividade produtiva no país. Mas algo começa a mudar. E a CUT, por meio de sua capacidade de pressão, proposição e negociação, tem um importante papel a exercer nesse novo quadro.


Os trabalhadores, com seus salários aviltados, foram levados a um endividamento baseado em juros abusivos


Em face da especulação financeira em que se transformou o Brasil nas últimas décadas, os trabalhadores, com seus salários aviltados, foram levados a um endividamento baseado em juros abusivos. Só para ter idéia, a taxa média mensal de juros no cheque especial neste momento é de cerca de 9% ao mês. Nas financeiras, a taxa alcança 13% ao mês. Isso num país em que a maioria dos trabalhadores nem sequer tem conseguido reajustes anuais nesses patamares. Muitos trabalhadores tornam-se inadimplentes e têm seus nomes "sujos" no mercado de crédito. Desesperados, eles recorrem a agiotas, perdendo ainda mais o controle de seus orçamentos.
Por isso, além de um processo inédito de negociação de taxas de juros -pedra angular na estrutura econômica de qualquer país-, a CUT vê essa iniciativa como parte da discussão do próprio poder aquisitivo dos trabalhadores.
Após um intenso processo de negociação, conquistamos, por meio de acordo com 19 bancos (posteriormente expandido para 30), taxas de juros que ainda não podem ser consideradas de um país civilizado. Mas, sendo as taxas acordadas menos da metade das vigentes antes do acordo (em alguns casos, chegando a patamares de só 12% das taxas atuais), podem ser consideradas como uma verdadeira conquista da central sindical e dos trabalhadores em geral, sejam eles sindicalizados ou não.
Inicialmente a negociação, que contou com a assessoria da Trevisan Consultores e Auditores, do Dieese e da assessoria jurídica da Siqueira Neto Advogados Associados, promoveu uma concorrência entre os bancos. Selecionamos 19 instituições entre mais de meia centena de bancos. A escolha recaiu sobre aquelas que apresentaram as menores taxas de juros. Num segundo momento, submetemos os selecionados a um novo processo concorrencial. Com as instituições escolhidas realizamos novas negociações, que resultaram no acordo.
Acreditamos que esses contratos servirão de referência para todos os sindicatos da CUT. Somos quase 3.500 sindicatos em todo o território nacional e representamos, segundo a recente pesquisa sindical do IBGE, cerca de 66% dos sindicatos filiados às centrais sindicais. Assim, esperamos que os acordos contribuam para acelerar a redução das taxas de juros no país. Mais ainda: conforme matérias recentes publicadas pela imprensa, ele também está provocando a redução das taxas nos acordos dos bancos com as outras centrais.
Outras centrais sindicais optaram pela cobrança de um percentual para cobrir os custos da intermediação. No caso do acordo da CUT, preferimos trabalhar com o conceito de oferta de um benefício ao sindicalizado, porém sem excluir o não-sindicalizado. Essa concepção foi aceita pelo Ministério Público do Trabalho.
Por outro lado, tivemos uma preocupação permanente de não estimular o superendividamento dos trabalhadores. Nossos acordos prevêem campanhas de esclarecimento quanto à importância do equilíbrio orçamentário de cada família. A medida provisória 130, o decreto-lei 4.840 e o acordo da CUT visam, sobretudo, possibilitar aos trabalhadores a reestruturação de suas contas, livrando-os das dívidas com o cheque especial, cartão de crédito e até mesmo de agiotas.
Para concluir, é importante lembrar que esse acordo é só um passo a mais no caminho que esperamos percorrer na direção do crescimento econômico, da melhoria das condições de remuneração e trabalho e da geração de empregos.

Luiz Marinho, 44, é o presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Bertrand de Orleans e Bragança: Agredidos pela realidade
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.