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São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os desafios da criminalidade violenta

JOÃO BENEDICTO DE AZEVEDO MARQUES

A onda de violência ocorrida no Rio de Janeiro na última semana incita a algumas reflexões.
A partir dos anos 60, e em especial desde as chacinas que atingiram as grandes cidades brasileiras nos anos 90, a sociedade e o Estado passaram a se preocupar com a criminalidade violenta. Não era mais o crime individual, solitário, que celebrizou criminosos como Meneghetti, Sete Dedos, Bandido da Luz Vermelha, entre outros.
Agora tínhamos a ação de quadrilhas, do crime empresarial, organizado, transnacional, audacioso e violento, somado à corrupção e à violência policial. Em caso emblemático, o crime organizado chegou a se infiltrar fortemente no aparelho do Estado, como ocorreu no Espírito Santo.
Bairros passam a ser controlados pelo tráfico e pelas quadrilhas e, se contrariados, impõem o toque de recolher, com fechamento do comércio.
Os criminosos usam armas sofisticadas, desde metralhadoras até granadas e bazucas, que, por falha do aparelho policial, tornam-se acessíveis e facilmente adquiridas pelos delinquentes. As fronteiras aéreas, marítimas e terrestres por onde entra o armamento pesado e o entorpecente não são devidamente fiscalizadas pela Polícia Federal, em razão de seu pequeno contingente.
A sociedade brasileira mostra, às escâncaras, as suas brutais desigualdades sociais, representadas pelos sem-terra, sem-teto, crianças famintas e desassistidas e pelas periferias marginalizadas, sem a mínima presença do Estado em seus serviços fundamentais.
Ao lado disso, o tráfico de entorpecentes cresceu assustadoramente, invadindo as escolas e atingindo frontalmente a juventude. A maconha, a cocaína, o crack, o ecstasy, juntamente com o álcool, ameaçam a saúde e o equilíbrio emocional de nosso jovens.
A crueldade das ações passa a ser a marca dos crimes e atinge seu apogeu na morte do jornalista Tim Lopes e do prefeito de Santo André, que foram sequestrados, julgados e mortos por criminosos que acintosamente assumem as funções do Estado. Em determinados bairros das grandes metrópoles, a polícia não entra e é recebida a bala.
Surpreendida e perplexa, desorientada e confusa, a população se sente órfã e insegura; e os demagogos de plantão pensam em ações salvadoras, tipo pena de morte e redução da responsabilidade penal, bem como em ações policiais espetaculares que nada resolvem.
Mas a questão é muito mais complexa e desafiadora.


As medidas na área de segurança jamais serão suficientes se não houver radical mudança na estrutura da sociedade


Se não encararmos o fenômeno em suas causas profundas, se não procedermos a efetivas reformas sociais, se não reurbanizarmos as periferias da miséria, diminuindo as desigualdades sociais, melhorando os padrões de saúde, habitação e educação, e se não fortalecermos a família, tudo o mais será em vão.
Ou seja, a violência da criminalidade não é só um caso de polícia, mas muito mais que isso, e exige uma ação enérgica e coordenada dos governos federal, estaduais e municipais, com ampla participação da comunidade.
No momento em que o país muda de governo, uma maior preocupação com a segurança pública é necessária; mas não nos iludamos com falácias ou medidas miraculosas. Os caminhos são conhecidos e somente com a reforma da polícia, valorizando e capacitando o policial, atualizando o Judiciário, tornando-o mais ágil e presente, humanizando o sistema penitenciário, monitorando e punindo severamente as organizações criminosas que atuam em seu interior e acabando com a impunidade teremos um maior controle da criminalidade.
Há necessidade também de reformas na legislação penal, processual penal e de execução penal, adequando-a à realidade do século 21 e aos novos desafios da criminalidade violenta, tudo dentro da legalidade, sem violência e com muita serenidade e competência.
E, acima de tudo, precisamos compreender que as medidas na área de justiça e segurança pública jamais serão suficientes se não houver uma radical mudança na estrutura da sociedade brasileira, diminuindo os desníveis sociais, humanizando as periferias e restaurando a presença do Estado nas áreas esquecidas, dando prioridade absoluta às políticas sociais públicas.
Por isso, todo e qualquer planejamento em segurança pública supõe ações preventivas e repressivas, com recursos adequados e efetivamente aplicados.
Vidas inocentes não podem continuar a ser ceifadas pela omissão e incompetência do Estado e da sociedade no enfrentamento dessa questão.

João Benedicto de Azevedo Marques, 64, procurador de Justiça aposentado, é conselheiro do Ilanud. Foi presidente da Febem (1975-78) e secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (governo Covas).


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