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ANTONIO DELFIM NETTO
De novo, o boato
Temos hoje a cara completa de
2003, o primeiro ano do governo
Lula. O resultado econômico foi medíocre: o PIB teve variação negativa de
0,2%. O saldo político foi exuberante:
a passagem elegante, tranqüila e civilizada de Fernando Henrique Cardoso
para Luiz Inácio Lula da Silva, de uma
administração que se pensava "social-democrata" para uma administração
que se pensa "socialista", elevou o
conceito do Brasil. Somos agora vistos
como uma república democrática,
que se preocupa com a pobreza e luta
pela igualdade e pela liberdade de seus
cidadãos e cujas instituições funcionam com normalidade dentro de disposições constitucionais, regime hoje hegemônico no mundo. A segurança
com que foi feita a transferência de governo e a atuação do que se supunha
um governo "radical" deram nova dimensão política ao país. É uma pena
que isso ainda não seja percebido internamente.
Estamos aprendendo a manipular
corretamente as instituições e a controlar o tumulto passional que freqüentemente nos envolve. Ainda agora se tenta transformar um lamentável
caso de polícia numa grave questão
institucional! Insiste-se em criar CPIs,
como se elas fossem um instrumento
de perquirição da "verdade", quando
todos sabemos que geralmente são
instrumentos das paixões mais inconfessáveis, eficazes apenas para destruir
reputações. Algumas pobres personalidades do Congresso fizeram seu nome como freqüentadoras ubíquas de
todas as CPIs! Notáveis a esse respeito
são exatamente alguns petistas. Isso
para não falar nos que se fantasiam,
durante o processo, de Sherlock Holmes, Dick Tracy ou "X-9"...
O mal desse arrebatamento "moral", que estranhamente só existe nos
partidos quando estão na oposição, é
que ele ajuda a aumentar a volatilidade da economia, que é o pasto ideal
onde se fartam, em poucas horas, os
espertos (e necessários) especuladores. A sexta-feira 13/2 revelou bem isso. Navegando na internet na noite anterior, descobriu-se que uma revista semanal anteciparia a sua edição (o
que dá o sinal da importância), revelando um pecado capital de um funcionário da Casa Civil. Isso foi o bastante para que, na primeira hora de
expediente, a Bovespa revelasse uma
queda de 4%. Na segunda hora, uma
recuperação de 3% e, no fechamento,
um aumento de 1,8% em relação ao do
dia anterior. Uma flutuação de 6,2%
num único dia! O mesmo movimento
se verificou na cotação do dólar/real.
O chamado "risco Brasil" flutuou
7,5% ao longo do dia, terminando
abaixo do estabelecido no dia anterior.
A notícia foi, certamente, a causa eficiente. Mas o comportamento ao longo do dia mostra como opera a "lei do boato". O assunto envolvia a Casa Civil. Em princípio, portanto, era da
maior importância. A "solução" não
era demitir e processar o funcionário
(o que foi feito imediatamente), mas o
seu chefe, o que envolvia grande ignorância de como funciona o governo.
As duas condições para que o "boato"
se propague à velocidade da luz estavam dadas. Isso produziu um grande
sobressalto na economia brasileira na
manhã do dia 13/2.
A tranqüilidade só foi recuperada
quando o presidente Lula (com o ar de
quem não queria nada) desmontou o
boato e garantiu a apuração policial
do delito, reafirmando sua credibilidade.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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