|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Vinte anos
de cruzado
Em 28 de fevereiro de 1986, eu,
como presidente da República,
editava o que se passou a chamar de o
Plano Cruzado. Ele foi uma marca na
história recente de nossa economia e
tão desafiador que sobre ele já existe
uma grande bibliografia, com alguns
livros importantes, que servem para
compreender esse tempo de nossa
história econômica. Continua, 20 anos
depois, a ser tema de debate e de controvérsia, tanto assim que o economista Edmar Bacha, em entrevista à
Folha, com a reconhecida isenção de
suas convicções tucanas e um dos autores do Plano, o renega e o responsabiliza pelo custo de dez anos de desestabilização da economia brasileira,
que terminou, pelos seus cálculos, em
28 de fevereiro de 1996. Exatamente
no dia em um jornal de São Paulo publicava uma grande fotografia: "Chega de enchente -Blá, Blá e nós, Glub,
Glub". Eis a data mágica. Do mesmo
modo como a Queda de Constantinopla marcou o fim da Idade Média, em
1453.
Felizmente, seu pensamento é isolado. Há consenso entre os "experts" de
que sem o Cruzado não haveria o Plano Real, editado pelo presidente Itamar. Tudo começou com a coragem
de derrubar a inflação sem a receita
do neoliberalismo.
Sayad, para mim um dos mais, senão o mais claro, lúcido e conciso dos
nossos professores de economia, dizia
que a vulnerabilidade do Cruzado foi
que ninguém sabia ao certo o que era,
nem como se comportaria, nem quais
seriam suas conseqüências. Eu, sem
ser economista, que assisti e tomei as
decisões para a sua implantação, posso dizer que o primeiro equívoco foi
concebê-lo como recessivo. Ao contrário, o plano era consumista. A procura -e ninguém previu isso- estouraria.
Mas o Plano Cruzado foi a mais corajosa intervenção que já houve na
economia em favor dos mais pobres.
Aquele período assistiu à maior distribuição de renda e aos menores índices de pobreza e de indigência em
nosso país. Tive a coragem de adotá-lo, de fazer o congelamento, de despertar o sentimento de cidadania,
através dos fiscais. O povo brasileiro
tomou conhecimento de que participava das decisões. Nasceram os direitos do consumidor. Sem o Cruzado
não haveria Constituinte, não haveria
abertura nem liberdade nem transição democrática. Foi ele que legitimou o presidente, de modo a permitir
a transição, e fez o PIB em dólar do
Brasil crescer 119,2% no meu governo, índice até hoje não repetido. Foi a
menor taxa de desemprego do Brasil,
3,6% (média mensal de desemprego
no meu governo após o Cruzado), e
em dezembro de 1989, meu último
ano como presidente, foi de 2,36%!
Essa taxa não foi repetida até hoje.
Quase com pleno emprego, foi possível aos trabalhadores serem fortes e
ao governo voltar-se para o social. São
desse tempo a universalização da saúde, o seguro-desemprego, o vale-alimentação, as farmácias básicas da Ceme, a correção dos salários, a merenda escolar de 260 dias, o 13º salário
dos funcionários públicos civis e militares e o programa do leite: oito milhões de litros por dia, considerado
pela Unesco como o maior programa
de alimentação do mundo.
O Cruzado não teve fracasso. O Cruzado teve inimigos. Teve contra ele a
união de todas as forças políticas e o
mundo financeiro internacional. Todos com o objetivo "delendus Sarney", de impedir o seu êxito, com oito
candidatos à Presidência a combatê-lo.
Faltou ao Plano Cruzado apoio político, mas ele deu ao povo brasileiro
um ano de muita felicidade.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: O jogo da vida Próximo Texto: Frases
Índice
|