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São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O prefeito, o PT e a Renda de Cidadania

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

O prefeito Cesar Maia, em artigo publicado pela Folha na pág A3 em 21/3/03, "PT: governo e diretório", criticou o PT por decisões tomadas pelo Diretório Nacional, em especial pela interpretação dada por alguns de que se teriam, na ocasião, enquadrado os radicais. Para isso, apontou uma série de exemplos, dentre os quais a resolução de recomendar a coordenação, racionalização e unificação dos diversos programas de transferência de renda.
Aqueles programas, como os de renda mínima associados à educação e à saúde, Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Bolsa-Renda, Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), cartão-alimentação e outros, conforme programa de governo do presidente Lula, devem ser vistos como passos na direção de uma renda básica de cidadania. Daí a recomendação à bancada do PT na Câmara dos Deputados de acompanhar com atenção a tramitação do projeto de lei que cria a Renda de Cidadania.
Outra recomendação importante é que as propostas de reforma tributária, previdenciária e trabalhista levem em consideração a instituição gradual de uma renda básica de cidadania, a que todo brasileiro deve ter acesso como direito de participar da riqueza da nação. A renda básica de cidadania será uma modesta renda, suficiente para atender necessidades vitais, paga igualmente a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil há cinco anos ou mais, isenta de tributação. Essa estará em perfeita consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal
Segundo Cesar Maia, "não é preciso dizer o quanto isso perderia de foco e eficácia social, mas ganharia em centralização e manipulação política". Quando li seu artigo, disse-lhe que gostaria de dar informações mais completas sobre o tema, pois estou certo de que mudará sua opinião quando souber melhor dos fundamentos da proposição.
Coube justamente a um senador do PFL, Francelino Pereira, dar o parecer sobre o projeto. Ele estudou a idéia com afinco e percebeu que era consistente com ideais de seu partido e de pessoas que admirava. Sugeriu a introdução gradual da Renda de Cidadania, modificando minha proposta original, de maneira que, a critério do Poder Executivo, fosse introduzida por etapas, iniciando pelos mais necessitados, a partir de 2005, o que favoreceu a aprovação do projeto por unanimidade pelo Senado, em dezembro último.


A renda básica de cidadania é concebida justamente para evitar qualquer tipo de manipulação


Propus ao prefeito que dialogássemos. Ele convidou-me para, em 5 de maio, debater sobre a Renda de Cidadania com sua equipe de governo. Aceitei.
Expliquei ao prefeito que a renda básica de cidadania é concebida justamente para evitar qualquer tipo de manipulação por parte do governo, de partido ou de quem quer que seja. Ela pode ser administrada em harmonia pelas três esferas de governo -federal, estadual e municipal. É um direito semelhante ao de todos tomarem um banho de mar em Copacabana ou de passearem no parque Ibirapuera. Ou como o direito ao sufrágio universal.
Até os ricos vão receber? Sim. Eles colaborarão proporcionalmente mais para que eles próprios e todos os demais brasileiros venham a receber a renda básica, mediante a instituição de um sistema tributário mais justo.
Quais as vantagens da Renda de Cidadania em relação à distribuição de uma renda apenas para os mais pobres? Primeiro, elimina a burocracia envolvida na declaração do rendimento de cada um. O que significa que muito mais pobres receberão. Segundo, elimina o sentimento de estigma ou de vergonha que uma pessoa pode ter por precisar declarar a necessidade de complementação de renda. Terceiro, do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, é muito melhor para qualquer pessoa ter a segurança de receber aquela modesta quantia como um direito inalienável de ser brasileiro.
A proposição constitui um dos mecanismos mais relevantes para promover a segurança no Rio de Janeiro e no Brasil. A experiência de dois anos do Programa de Renda Mínima na cidade de São Paulo, que se iniciou nos distritos de menor renda per capita, maior desemprego e maior violência, mostra progressos significativos no que diz respeito aos indicadores de renda, emprego, arrecadação, frequência escolar e criminalidade.
Os 22 anos de experiência do único lugar do mundo onde há uma renda anual paga igualmente a todos, o Estado do Alasca, fizeram com que ele se tornasse o mais equitativo dos Estado Unidos. Instituir entre nós a renda de cidadania significará que, em breve, poderemos ter todos os brasileiros na mesa da fraternidade.

Eduardo Matarazzo Suplicy, 61, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é professor da Eaesp-FGV e senador pelo PT-SP.


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