São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Contradições no seio do povo
EDUARDO GRAEFF
O governo já havia avisado que não tinha muita margem para aumentar o salário mínimo neste ano. Em abril, quando apresentar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, provavelmente se verá que tampouco vai ter muita margem para aumento em 2004. O que fazer, nesse meio tempo, com o teto dos benefícios do INSS? Hoje o teto é um pouco maior do que o Dieese calcula como o piso desejável para cobrir as necessidades vitais do trabalhador e sua família (R$ 1.386 em janeiro). Pensando num sistema público que garantisse a todos uma aposentadoria modesta, mas digna, faria sentido manter o valor real do teto e priorizar a elevação do piso nos próximos anos. A CUT, no entanto, fala em elevar já o teto para o equivalente a até 20 salários mínimos. Isso poderia diminuir a resistência dos funcionários públicos a um teto de aposentadoria equivalente ao do INSS. Além de manter a aposentadoria integral, os funcionários federais querem um reajuste linear de 46,95%, para uma margem de apenas 2,5% prevista no Orçamento. Pelo menos no topo da escala, os membros do Congresso e da magistratura federal poderiam dar um tempo depois dos aumentos concedidos recentemente. Os aumentos, no entanto, deixaram para trás a remuneração do presidente da República. Isso pode dificultar o entendimento necessário entre os três Poderes para apresentarem em conjunto, como prevê a Constituição, um projeto de lei estabelecendo o teto de remuneração do funcionalismo em geral. Os governadores esperam por isso para estabelecer subtetos nos Estados e enquadrar os "marajás" que aproveitaram brechas legais para acumular somas fantásticas de gratificações e aposentadorias. Escolhas difíceis, pressões políticas de administração complexa. Há três saídas retóricas para escapar da dificuldade: a populista "de direita", a "de esquerda" e a corporativista. A primeira é a que Collor consagrou no papel de "caçador de marajás", jogando o povo contra os funcionários públicos, sem se dar ao trabalho de separar os abusos e a remuneração razoável dos altos funcionários. A segunda é a que o PT e seus aliados exploraram até ontem, como defensores do povo, dos funcionários e do Estado nacional contra os tubarões capitalistas banqueiros, especuladores, sonegadores, as multinacionais e o FMI. A terceira é a dos sindicatos, associações e altos funcionários que querem porque querem o que lhes parece justo e devido, sem nunca "botarem o dedo no Orçamento" para ver se é possível, como reclamou o presidente Lula depois de uma audiência à CUT. Não há fórmula simples de justiça contra essas falsas saídas. Existe a fórmula democrática. Ela não depende de supostos inimigos de classe, do povo ou da pátria para definir o bem comum. Aposta, em vez disso, no debate público, na busca de consenso e na aceitação da vontade da maioria para arbitrar interesses desiguais, mas legítimos. É espantoso como o Brasil tem conseguido aplicar essa fórmula, com toda a crueza e a complexidade da desigualdade social no país. Na alternância de poder, a democracia brasileira deu sinais fortes de normalidade institucional e elegeu um presidente que é um símbolo de igualdade. A agenda política dos próximos meses é um teste para a capacidade da nova maioria e da minoria de produzirem decisões que levem a novas vitórias sobre a desigualdade. Eduardo Graeff, 53, sociólogo, foi assessor parlamentar e secretário-geral da Presidência da República (governo Fernando Henrique). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Eduardo Matarazzo Suplicy: O prefeito, o PT e a Renda de Cidadania Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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