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TENDÊNCIAS/DEBATES
O BC deve intervir na taxa de câmbio?
SIM
Liberalismo de pé quebrado
RICARDO CARNEIRO
Muito se tem discutido acerca da
orientação liberal do atual governo em matéria de política econômica. A
manifestação dos mais importantes formuladores dessa política, o ministro da
Fazenda e o presidente do Banco Central, ante a recente valorização do câmbio, traduz com precisão os contornos
dessa posição. A concepção segundo a
qual a taxa de câmbio encontrará o seu
"equilíbrio natural" (sic) pelas forças de
mercado constitui equívoco de grande
profundidade.
As razões para intervir na formação
da taxa de câmbio em países emergentes têm por fundamento a constatação
de sua maior volatilidade e amplitude
de variação. Estas se devem à dupla assimetria do sistema monetário e financeiro internacionais. A primeira assimetria
refere-se à natureza volátil dos fluxos de
capitais que se dirigem à periferia do
sistema tanto pela posição marginal que
esses países ocupam nos fluxos de capitais, quanto pela natureza dos investidores que a eles se dirigem. Estes últimos, dispostos a correr mais riscos, são
os que mais rapidamente mudam de
opinião e posição. A segunda assimetria
diz respeito à magnitude das taxas de
juros, mais elevada para os países emergentes, em razão da sua posição peculiar na hierarquia das moedas do sistema monetário internacional. Taxas de
juros maiores implicam, "coeteris paribus", variações cambiais proporcionalmente mais elevadas para manter a rentabilidade das aplicações em moeda local quando ocorrem mudanças dos prêmios de risco-país.
A lição aprendida pelos países emergentes ao longo dos anos 90 é inequívoca: a volatilidade dos fluxos de capitais e
as flutuações da taxa de câmbio para
além das crises cambiais/financeiras
têm implicado problemas crônicos.
Dentre eles, o desequilíbrio financeiro
dos agentes domésticos endividados em
moeda estrangeira e que decorre do fato
de não emitirem dívida externa denominada nas suas moedas; a distorção de
preços relativos e da alocação de recursos, decorrente de taxa de câmbio apreciada; e a instabilidade da inflação resultante do elevado "pass through" nessas
economias.
Se há razões mais gerais que justificam o controle da taxa de câmbio num
ambiente intrinsecamente instável, cabe indagar se existem motivos para o fazer na atual conjuntura brasileira. Antes
convém assinalar o caráter de curto prazo dos fluxos que hoje se dirigem ao
país, configurando mais um ciclo de liquidez oriundo da modificação dos humores do mercado global e não muito
distinto de outros tantos observados
entre 1999 e meados de 2002.
Haveria, em tese, dois benefícios da
valorização da moeda: a redução da dívida pública e a desaceleração da inflação. De outra parte, ocorreria um custo
inequívoco: a deterioração do ajuste externo. No caso do endividamento, obtém-se a redução de uma dívida pública
liquidável em reais em troca do aumento do passivo externo de curtíssimo prazo. A inflação só cairá drasticamente se
a valorização promover, como na primeira metade dos anos 90, uma mudança durável de preços relativos. Isso é indesejável sobretudo pelos efeitos no
emprego.
Considere-se, por fim, o ajuste externo expresso na eliminação do déficit em
transações correntes. É certo que esse
ajuste contou com uma colaboração
importante do crescimento medíocre
dos últimos anos e também de uma episódica recuperação de preços de commodities. Mas é inquestionável que a
nova configuração de preços relativos
estabelecida pelas sucessivas rodadas de
desvalorização desde 1999 tem maior
responsabilidade no aumento das exportações e na pequena, mas não desprezível, substituição de importações. A
discussão pertinente, nesse caso, é a
magnitude da desvalorização, e nunca a
sua necessidade.
Para aqueles que temem o controle
cambial, cabe assinalar o amplo arsenal
de medidas disponíveis. Elas vão desde
atitudes mais drásticas, como a reversão
parcial da conversibilidade da conta de
capital, passando pela tributação de entradas e saídas de capitais de acordo
com o prazo de permanência, até intervenções mais brandas, como a variação
do estoque da dívida indexada ao dólar,
alterações nos limites das posições em
moeda estrangeira dos bancos, modificação da posição do governo e seus
agentes nos mercados a termo e futuro
de câmbio, intervenções no mercado à
vista ou, simplesmente, alteração na taxa de juros básica.
Assim, fica patente que o debate de interesse do país hoje é o da natureza do
controle sobre a taxa de câmbio, e não o
da sua necessidade. As autoridades econômicas, ao descartarem esses controles, parecem apostar numa volta das
condições internacionais prevalecentes
nos anos 90 e nas virtudes e benefícios
da integração comandada pelo mercado, esquecendo que graças a esta última
é que estamos na atual situação de fragilidade externa e baixo crescimento.
Ricardo Carneiro é professor do Instituto de
Economia e diretor do Centro de Estudos de
Conjuntura e Política Econômica da Unicamp.
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