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NÃO
Oportunidade para o Tesouro
MARCELO ALLAIN
O excepcional recuo da taxa de
câmbio nos últimos 45 dias surpreendeu até aos mais otimistas, que
imaginavam o dólar cotado pouco acima dos R$ 3. O processo de declínio do
câmbio teve início com as firmes captações de recursos externos de prazos curtos, em especial por bancos que buscavam recursos a custo menor no mercado internacional para aplicar em operações mais rentáveis no mercado doméstico. Mas ainda não se observam captações de prazo mais longo -com exceção da emissão soberana, esta semana,
com vencimento em 2007-, e o volume de investimento direto (produtivo)
vem caindo. Assim, o ingresso atual é,
sobretudo, de capitais de curto prazo.
O pronunciado movimento de apreciação do real reacendeu o debate sobre
a necessidade de o Banco Central intervir no câmbio para evitar exageros. Essa
questão é polêmica não só no mercado
financeiro, mas dentro do governo também. A posição manifestada pelo BC é
de que o câmbio é flexível e, portanto,
não haverá intervenções para definir
um piso. Essa posição permite maiores
reduções do câmbio, pois desestimula o
surgimento de compradores da moeda
estrangeira no curto prazo. De um lado,
a queda do câmbio traria impactos benéficos sobre a inflação; por outro lado,
poderia prejudicar o superávit comercial, a ponto de o ajuste das contas externas ficar comprometido.
O recuo do câmbio expõe um dilema
entre melhorar os números de inflação
e manter a excelente performance das
contas externas. Note-se que ambas variáveis, inflação e balança comercial,
reagem com defasagem aos movimentos do câmbio. Assim, somente após alguns trimestres saberemos se a surpreendente queda cambial não comprometerá os saldos comerciais e trará
um recuo concreto da inflação. Se isso
não se verificar, a afluência de divisas
será sucedida por novas pressões de alta
do câmbio.
O Banco Central adota desde 1999 um
regime de câmbio flexível, no qual, teoricamente, cabem intervenções em situações de falta de liquidez ou de informação heterogeneamente distribuída
entre os participantes do mercado. Nenhuma dessas circunstâncias justificaria uma atuação do BC hoje. Nesse regime flexível, porém, o Banco Central pode usar a política monetária para evitar
movimentos exagerados do câmbio. As
características do ingresso recente de
capitais -captações para arbitragem
de juros e prazos curtos- e a negociação de taxas prefixadas de um ano abaixo da Selic são sinais de que boa parte da
apreciação cambial se deve a juros domésticos elevados.
Não faria sentido o Banco Central
manter juros altos e, ao observar a resultante apreciação cambial, contê-la, intervindo no câmbio. O natural seria cortar os juros, desde que a demanda agregada e a inflação permitissem.
Aqui reside um obstáculo. A demanda agregada comporta reduções de juros, mas o modelo de metas de inflação
tem amarrado um corte da Selic. Como
observado anteriormente, a inflação requer algum tempo para cair, em resposta ao novo patamar de câmbio. Mantidos os juros elevados por período longo, o câmbio pode cair além do nível de
equilíbrio de longo prazo, subindo mais
tarde, quando as contas externas piorarem, e gerando oscilações desnecessárias no câmbio.
Está correto o BC, portanto, ao se recusar a intervir. Mas isso não significa
que o Tesouro Nacional deva desperdiçar uma oportunidade de reduzir seu
risco cambial. A distinção entre os papéis dessas instituições nem sempre fica
clara para a sociedade. O Tesouro tem o
papel de zelar pela política fiscal e pela
dívida pública, diferentemente do Banco Central, que tem por objetivo definir
política monetária e cambial.
Um terço da dívida mobiliária federal
está vinculado às oscilações do câmbio,
e a dívida externa pública (líquida das
reservas internacionais) supera os US$
80 bilhões. Esta exposição exagerada do
Tesouro Nacional ao câmbio traz riscos
desnecessários à gestão da dívida pública, pois os encargos financeiros podem
crescer assustadoramente quando as
expectativas econômicas se deterioram.
Em outras palavras, o Tesouro não tem
receitas em dólar, mas decidiu, no passado, emitir dívida indexada ao câmbio,
porque era longa e suavizava a subida
do dólar num mercado sedento por
proteção ("hedge") cambial.
Agora que a situação melhorou, é fundamental que o Tesouro reduza sua exposição cambial, seja diminuindo a
oferta de títulos e "swaps" cambiais nos
leilões de dívida pública, seja comprando mais dólares à vista para honrar seus
compromissos externos. Note-se que
essa lógica é a mesma de uma empresa
privada que está endividada em dólar e
passou vários meses de sufoco desde
meados de 2002. Em suma, o Banco
Central deveria ver a queda do dólar
motivada por capitais de curto prazo
como argumento para cortar os juros
em breve, e o Tesouro Nacional poderia
aproveitar essa janela, cuja duração é
imprevisível, para reduzir a exposição
cambial da dívida pública.
Marcelo Allain, 35, economista, professor do
MBA da Fipe-USP, é vice-presidente do conselho
diretor do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.
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