São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

O problema número 1?

PROFESSOR LUIZINHO

O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), presidente nacional do PFL, elegeu o desemprego como principal bandeira política do neoliberalismo. Em artigo recente, Sua Excelência afirmou que o "crescimento galopante do desemprego" é "a principal causa do fracasso do PT". E avisou que explorará o tema politicamente. Gostaria de elogiar a iniciativa de público. E, com o mesmo vigor, lamentar o fato de ela ter vindo tão tarde. Afinal, o PFL poderia ter se preocupado tanto com o desemprego entre 1995 e 2002, período em que governou o país junto com o PSDB.
Naquele tempo, porém, não me lembro de ter visto o senador Bornhausen vir a público tocar no assunto. Talvez porque, ao assumir, a coalizão liberal-tucana tenha encontrado a taxa de desemprego com índice de 4,6% de desocupados na população economicamente ativa. Ou seja, naquele tempo o desemprego não era problema para o Brasil. Veio a ser nos anos seguintes, sob Fernando Henrique.
Para não correr o risco de ser leviano, peço licença para contextualizar. Em 1994, o grande problema nacional era a inflação. Foi derrotado a partir de um instigante exercício de criatividade econômica, o Plano Real. Em resumo, os economistas do governo do PFL indexaram a economia a um índice atrelado à taxa de câmbio. Depois, transformaram esse índice em moeda e trataram de dar-lhe estabilidade, atraindo montanhas de dólares com a isca da taxa de juros. Em janeiro de 1995, quando PFL e PSDB assumiram o governo, a taxa de juros nominal, essa mesma que hoje é de 16% anuais, estava em 49% anuais.
Curiosamente, o problema do desemprego, caro a qualquer homem público digno do nome, brotou ali. Com aquela configuração, a estabilidade pressupunha despesas altíssimas em juros. Sua insustentabilidade já não era apontada somente pela oposição. O economista Pérsio Arida, um dos pais do plano, era um dos que propunham o desmonte da âncora cambial ao longo de 1995. Sem consenso no governo, a idéia foi descartada quando o México entrou em crise e enxugou a liquidez mundial. A âncora e seus juros altos seguiram em frente.


Ao tragar nacos cada vez maiores da poupança nacional, o governo FHC sufocou o potencial de crescimento do país

Naquele tempo, o governo do PFL e do PSDB já sabia que os crescentes gastos com juros trariam problemas. Problemas de confiança na solvência do setor público. E o que fez? Nada. Gastou o que tinha e o que não tinha, inclusive para aprovar a emenda da reeleição. O superávit primário de mais de 5% do PIB deixado no último ano do governo Itamar minguou até se transformar em déficits primários, em 1996 e 1997. PFL e PSDB, em acintosa irresponsabilidade fiscal, alimentaram as dúvidas sobre a solvência futura do Tesouro. Inclusive patrocinando um pacote fiscal, o malogrado pacote 51, que o próprio governo tratou de descumprir.
Foram esses os motivos que levaram o mercado financeiro a cobrar taxas cada vez mais altas, em prazos cada vez menores, e riscos idem para financiar o governo liberal-tucano. A ponto de a dívida líquida do setor público crescer do equivalente a 30% do PIB, em 1995, para 50% do PIB, em 2000, e de lá à estratosfera atual. Ao tragar nacos cada vez maiores da poupança nacional, o governo FHC sufocou o investimento e o potencial de crescimento do país. Eis a gênese do desemprego brasileiro.
Lembra aquela taxa de 4,6%, de 1995? Quando entregou o poder, o liberal-tucanismo deixou-a em 10,5% da PEA, com o agravante de uma economia em ruínas e a credibilidade do Estado devastada.
O governo Lula está consciente dos problemas estruturais da economia e os está enfrentando com a maior serenidade possível. Considero equivocada a percepção de que o faz com a mesma política econômica do passado. Ao contrário do que acontecia no período liberal-tucano, o Estado vem sendo reformado para recuperar sua eficiência, seu prestígio e seu papel estratégico. Isso tudo sem debilitar sua saúde financeira. Assim, conseguirá implantar políticas capazes de distribuir a renda e reequilibrar o país. Quando ocorrer -e já está ocorrendo-, o Brasil voltará a gerar oportunidades para todos.
Se fosse dado à má-fé, compararia o senador Bornhausen ao sujeito que envenena o amigo e depois encomenda uma missa ao moribundo. Em vez disso, prefiro saudá-lo. Bem-vindo, companheiro, ao time dos que classificam o desemprego como chaga intolerável na sociedade moderna e justa que se pretende para o Brasil.

Professor Luizinho, 49, deputado federal pelo PT-SP, é o líder do governo na Câmara dos Deputados


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