São Paulo, sábado, 03 de maio de 2008

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O Brasil deve restringir a propaganda de cerveja?

NÃO

É preciso mudar o foco

MARCOS MESQUITA

JÁ HÁ algum tempo se vem discutindo a necessidade de impor restrições legais à propaganda de cervejas. Esse assunto se intensificou agora, em razão de um novo projeto de lei de autoria do governo federal remetido para tramitação em regime de urgência no Congresso.
De nossa parte, sabemos que restringir o horário dos anúncios das cervejas na televisão não é a medida correta nem adequada se o que se espera é a redução dos conhecidos males sociais decorrentes do consumo nocivo de bebidas alcoólicas.
A questão principal, obviamente, não está em sermos contra ou a favor da restrição de horários da propaganda de cervejas, mas em ver o que podemos esperar de benefícios com essas restrições.
De fato, a sociedade espera por ações firmes, que combatam as raízes de conhecidos males, como o consumo precoce por crianças e adolescentes, o uso ilegal por motoristas e a ingestão excessiva em qualquer idade e ocasião. Nesses casos, julgamos ser muito mais adequada a opção por estabelecer campanhas educativas e fiscalizações efetivas das leis existentes.
Diferentemente do que se acredita, a propaganda não tem nenhum efeito sobre o consumo total de qualquer produto. O objetivo das cervejarias é simples: captar para sua marca a maior parcela possível da demanda preexistente para essa categoria de bebida alcoólica. Para conhecer o consumo potencial do produto, é apenas necessário conhecer o mercado e suas duas variáveis fundamentais: renda disponível para consumo e nível de preço dos produtos.
O aumento da renda das famílias nos últimos três anos no Brasil e os preços relativamente estáveis que as cervejarias conseguiram manter nesse mesmo período, por si sós, explicam o aumento no volume de venda de cerveja.
Confirma essa regra um passado recente, entre os anos de 1996 e 2002, quando havia uma grande presença de propagandas de cervejas nas emissoras de TV e os volumes vendidos da bebida ficaram estagnados ou caíram.
É só olharmos para a queda da renda real das famílias naquele período que teremos a explicação do porquê de o consumo de cervejas naquela época não ter crescido.
As cervejarias, no entanto, têm um motivo mais que justo para investir pesadas somas na publicidade de seus produtos: a necessidade de diferenciar suas marcas em relação às demais marcas concorrentes do mercado e, com isso, reforçar a fidelidade de seus consumidores, além de despertar interesse na mente dos consumidores de outras marcas, que tendem, cada vez mais, a ser menos fiéis às suas escolhas anteriores.
Um mercado de massa que passa a ter restrições de acesso aos meios de comunicação comercial não deixa de ser um mercado de massa, mas torna-se um mercado de baixo valor agregado. Aumenta-se, portanto, a oferta de produtos de baixo preço e de baixa qualidade, o que gera um mercado ainda maior em volumes, embora menor em receitas.
Dessa forma, o que resta é apenas uma grande frustração para aqueles que acreditavam na redução significativa do consumo nocivo por meio de uma (improvável) redução do consumo total dos produtos. Não se atinge, portanto, nenhum dos benefícios que todos nós gostaríamos de obter.
A sociedade brasileira, no entanto, já encontrou o meio mais correto para o controle da propaganda no país, por meio do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária). Na questão da regulamentação da propaganda de cervejas, o Conar tem cumprido um importante papel de acordo com as demandas da sociedade brasileira em relação à adequação do conteúdo das mensagens. Sempre que há excessos, mesmo involuntários, o processo instituído pela auto-regulamentação age de forma rápida e eficiente, o que não seria possível por meio de qualquer processo que se baseie em uma lei formal.
É preciso ressaltar que, infelizmente, sem campanhas de educação para o consumo responsável e a fiscalização adequada das leis existentes, pouco conseguiremos fazer para a redução dos conhecidos problemas acarretados pelo consumo nocivo, inadequado e abusivo de bebidas alcoólicas.


MARCOS MESQUITA, 53, formado em direito e em administração de empresas, é superintendente do Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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