São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Os fatores da incerteza

As últimas semanas têm revelado um aumento das incertezas que pairam sobre a economia brasileira. Para entendê-las, talvez seja necessário separar três tipos de efeito: 1) as consequências econômicas da política governamental; 2) a antecipação dos efeitos do resultado possível do processo eleitoral e 3) a agitação da economia mundial resultante das fraudes gigantescas do sistema capitalista, encobertas pelas maquiagens embelezadoras da criatividade contábil.
Por mais que o governo se esforce, não há como esconder que o brilhante Plano Real de estabilização revelou-se, ao final de quase dez anos, um dos mais custosos de quantos foram postos em prática no mundo. Quando comparado com duas testemunhas, o Chile e o México, que também se estabilizaram neste período, verificamos que: 1) a taxa de crescimento do PIB brasileiro foi a menor dos três nos últimos cinco anos; 2) a nossa taxa de inflação de 2002 será a maior dos três. O importante mesmo é que nenhuma das duas testemunhas têm a herança de dívida interna líquida/PIB, dívida externa/exportação e desemprego de dimensão parecida com a nossa. No caso do desemprego, a situação é dramática, como se vê no gráfico abaixo:




Trata-se da taxa média de desemprego acumulada nos últimos 12 meses na região metropolitana de São Paulo estimada pelo IBGE e pelo Dieese. As duas curvas revelam o mesmo fenômeno, da mesma forma que a temperatura pode ser medida em graus Fahrenheit (Dieese) ou em graus Celsius (IBGE), e podem ser facilmente transformadas uma na outra. Logo não há o que discutir sobre a sua realidade. O sr. presidente, em 1998, na campanha eleitoral, garantiu que "quem terminou com a inflação, vai terminar com o desemprego", o que infelizmente não fez. Vemos que o segundo mandato manteve uma taxa média de desemprego superior à do primeiro. Não se pode identificar o desemprego como a causa da insegurança que se abateu sobre o cidadão brasileiro, mas seria estranho que não houvesse nenhuma ligação entre eles.
Quanto ao segundo efeito, que tem origem no processo eleitoral, é preciso reconhecê-lo, mas não sem dizer que o governo foi vítima de sua própria estratégia de demonizar os adversários. Sugerindo que eles, se eleitos, iriam produzir uma "Argentina", chamou a atenção dos credores, que passaram a escrutinar com maior cuidado os nossos números e descobriram que sua desatenção não era saudável.
O terceiro efeito também é visível. Aumentou mesmo a aversão ao risco que está contaminando todo o sistema econômico mundial. Descobriu-se que a transparência e a seriedade dos registros empresariais -segurança dos mercados- são mais do que duvidosas, o que significa um choque dramático no funcionamento do mercado de capitais.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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