São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Inovação tecnológica, o único caminho

ROBERTO NICOLSKY

O discurso convencional sobre o comércio exterior brasileiro, que atribuía ao câmbio valorizado as dificuldades de aumentar as exportações, tornou-se insustentável a partir de 1999. Desde então, embora a taxa cambial tenha sido depreciada em mais de 100%, o ritmo das exportações se manteve estagnado e, ultimamente, vem até caindo. O câmbio desvalorizado aumentou a nossa oferta de produtos básicos (commodities), derrubando seus preços. Exportamos maior quantidade pelo mesmo valor. E não temos perspectiva a curto prazo de redução do custo Brasil, pois isso depende em grande parte de uma reforma tributária politicamente difícil no momento.
O que nos falta para exportar os produtos de alto valor agregado -os chamados "manufaturados dinâmicos", que representam hoje mais de 60% do comércio internacional? Setores do governo e candidatos à Presidência falam em intensificar os esforços de venda, criar órgãos específicos para comércio exterior (ministério, secretaria), promover melhor nossos produtos, construir a marca Brasil etc. Mas nem governo nem candidatos falam do óbvio: os consumidores externos não querem comprar os nossos manufaturados porque são produtos tecnologicamente atrasados, salvo as exceções de sempre.
Precisamos construir um novo modelo de crescimento, sustentado pelas inovações tecnológicas no setor produtivo; usar a mesma criatividade de cada lance de gol da seleção brasileira para agregar vantagens e valor aos nossos produtos, processos e serviços. Por vezes isso se resume a coisas simples e de rápida implementação, como um novo material ou algum pequeno dispositivo que faça o produto mais eficiente para o consumidor. Esses pequenos incrementos, incorporados continuamente, constituem mais de 97% das patentes no mundo.
As inovações que usamos são, em geral, adquiridas fora ou licenciadas do exterior, o que acentua a nossa dependência tecnológica, levando-nos, segundo a ONU (Pnud), ao 43º lugar na "copa da tecnologia". Apesar de termos gasto nessa área, em 2001, mais de US$ 3 bilhões -15% do déficit em conta corrente-, só adquirimos tecnologias ultrapassadas, não-competitivas.
É urgente nos tornarmos campeões em inovações, pelo menos entre os países emergentes. Em 2001, no placar das patentes registradas nos EUA, levamos uma enorme goleada: Coréia 3.538 x 110 Brasil. Foi ainda pior com a pequena Taiwan, que emplacou 5.371 patentes.


Precisamos construir um novo modelo de crescimento, sustentado pelas inovações no setor produtivo


Precisamos oferecer produtos que sejam procurados pelos consumidores globais, como os celulares e os monitores da Coréia, os chips de Taiwan, os fármacos da China ou os softwares da Índia, para citar só países emergentes. É certo que temos os aviões, mas esse mercado é restrito, é pouco para as dimensões do nosso país e as necessidades de crescimento do nosso povo. Deveríamos exportar pelo menos como Coréia e Taiwan, que colocam no mercado internacional cerca de US$ 150 bilhões anuais.
O modelo para crescer internamente deve ser o mesmo, pois hoje os mercados são globalizados e estamos competindo dentro de casa com aqueles que precisamos derrotar também lá fora. Ao fazer crescer as exportações, estaremos ampliando, inexoravelmente, a nossa produção, gerando empregos e renda. E ao fazê-lo pela via das inovações, estaremos criando empregos mais qualificados, valorizando a nossa criatividade e elevando o salário médio da população. Portanto distribuindo renda.
O modelo de crescimento focado na inovação tecnológica realizada pelo setor produtivo vem sendo utilizado com sucesso, nos últimos 30 anos, pela Coréia e por Taiwan, países que hoje têm renda per capita quatro vezes superior à nossa. E começa a ser implementado pela China, Índia e Rússia, todas em rápido processo de desenvolvimento.
O que nos falta para seguir o mesmo caminho? Se precisamos reverter uma tendência predatória de dependência tecnológica, então faltam-nos políticas públicas que, através da parceria no risco, estimulem o setor industrial a universalizar a criação de inovações tecnológicas no país, para tornar os nossos produtos, processos e serviços mais competitivos em nível internacional. Só na Coréia são mais de 8.000 indústrias e quase 200 institutos envolvidos em programas de inovações.
O setor industrial brasileiro, através da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica, a Protec, recém-criada por cinco das maiores federações e dez das principais entidades setoriais da indústria, está procurando fazer a sua parte, organizando o 1º Encontro Nacional da Inovação Tecnológica para Exportação e Competitividade (Enitec), amanhã e depois de amanhã, no Rio de Janeiro.
Trata-se de um fórum que buscará, com a participação dos órgãos do governo e das instituições de pesquisa, os meios para construirmos um modelo centrado na inovação tecnológica, pois esse é o único caminho que pode assegurar um crescimento sustentado ao país.


Roberto Nicolsky, 64, professor do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é membro do Conselho Empresarial de Tecnologia da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e diretor da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).



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