São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A classificação indicativa dos filmes deve ser mais flexível?

SIM

Educar, melhor que proibir

LUIZ FLÁVIO GOMES

O Ministério da Justiça, depois de ter posto em pauta e em discussão o redimensionamento daquilo que é adequado ou inadequado para ser visto pelos menores, acaba de autorizar o acesso de crianças e adolescentes, de faixa etária menor que a indicada, a produções audiovisuais destinadas aos mercados do cinema e dos vídeos (fitas e DVD). Portaria nesse sentido será publicada na segunda-feira próxima e terá vigência 30 dias depois da publicação.
A fundamental exigência estabelecida é a obrigatoriedade de acompanhamento dos pais ou responsáveis legais ou que eles autorizem expressamente outra pessoa, maior, a conduzir o menor. De modo nenhum, entretanto, poderá assistir a qualquer produção inadequada para menor de 18 anos.
O Estado, de acordo com os parâmetros constitucionais e legais, vem cumprindo seu papel de fiscalizar e classificar os espetáculos ou produções, mas ao mesmo tempo também vem sinalizando claramente que a responsabilidade pela seleção daquilo que o menor vai ver (ou não) é dos pais -ou dos seus detentores legais.
É bem provável que nada seja mais sensato, coerente e oportuno do que essa nova regulamentação, porque a tarefa de bem educar a criança, cuidando do adequado desenvolvimento da sua personalidade, bem como do seu equilíbrio emocional, compete à família e aos professores, que integram as bases primárias da transmissão dos valores mais importantes da civilização -liberdade, paz, justiça, solidariedade e respeito aos direitos e à dignidade alheios.
Mas, depois da revolução comunicacional iniciada há 15 anos, já não podemos nos comportar como antes. Temos que mudar diametralmente nosso enfoque em relação ao tema em debate. A postura proibitiva ou puramente repressiva perdeu quase que por completo sua razão de ser com a enorme facilidade que a internet e a TV nos proporcionam de acesso a tudo quanto é informação ou imagem, incluindo, obviamente, violência, drogas e sexo.
A lógica prioritária agora já não pode ser a de proibir ou permitir -nada disso mais funciona-, senão a de preparar espiritual e emocionalmente a criança para saber se posicionar (sempre que possível, criticamente).
A violência exposta nos cinemas e nos vídeos tornou-se, de certa maneira, romântica diante do extraordinário bombardeio de palavras, escritos, sons e imagens nocivos que nos traz diariamente o mundo da web, da diversão (videogame e desenhos animados) e da televisão.
De qualquer modo, ainda que sejam perniciosos os efeitos da exposição diária das pessoas às cenas de violência e sexo -isso ficou claro na mais densa pesquisa já elaborada em todos os tempos sobre o assunto e publicada na revista americana "Science", em abril de 2002-, é certo que não existe uma relação direta de causa e efeito entre os meios de comunicação e a violência, que é um fenômeno muito mais complexo do que parece.
Pais e professores, ao que tudo indica, são a chave do enigma. Cada lar e cada escola formam a essência da personalidade do indivíduo, que deve interpretar e reelaborar o mundo que o cerca. Consoante os estímulos que a criança recebe e sua herança genética é que ela vai crescer saudável ou não, infensa às agressões diárias ou não, violenta ou não.
Elas aprendem suas habilidades e desenvolvem seus valores pela imitação; mas a raça humana, de qualquer modo, é a única dotada de razão, discernimento e censo crítico. A única que pode promover a paz onde só reina a guerra, a falta de respeito mútuo e de solidariedade e a intolerância.
Confiemos, desse modo, nos homens, na sua capacidade de evoluir e de transcender suas limitações -na sua responsabilidade, em suma-, porque pouco podem nos ajudar, no mundo atual, as proibições legais.


Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, é diretor-presidente da TV Educativa Ielf (www.ielf.com.br). Foi juiz de direito em São Paulo (1983-98) e presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), do qual é co-fundador.


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