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TENDÊNCIAS/DEBATES
A classificação indicativa dos filmes deve ser mais flexível?
NÃO
A discussão vai além da faixa etária
RUBENS NAVES
O ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, assinou portaria
que muda as regras de classificação indicativa para cinema, fitas de vídeo e
DVDs. A portaria permite que crianças
e adolescentes tenham acesso a salas de
cinema cujo filme tenha recebido classificação imediatamente superior à faixa
etária da criança, desde que acompanhada por seus pais. O principal objetivo das mudanças propostas pelo Ministério da Justiça seria a divisão da responsabilidade pelo conteúdo do que assistem crianças e adolescentes entre o
Estado, a família e a sociedade.
Sem dúvida, situa-se nesse tripé a rede
protetora que toda criança deveria ter, e
isso está expressamente dito em nossa
Constituição, no artigo 227. No entanto,
considerando ser esse um tema com alto grau de subjetividade e delicadeza, já
que diz respeito ao acesso a conteúdos
que poderiam, em tese, afetar o desenvolvimento psicológico e emocional da
criança e do adolescente, uma mudança
dessa ordem deveria ter sido mais discutida com a sociedade.
O Ministério da Justiça realizou pesquisa, em seu site, com 263 pessoas que,
em sua maioria, foram contrárias a uma
versão anterior da portaria, que abria
brecha para que uma criança de 11 anos
pudesse assistir a um filme desaconselhável para menores de 16. A atual portaria representa uma mudança menos
radical, mas não deixa de ser apressada.
Certamente, 263 cidadãos são um universo reduzido de consultas, a despeito
de terem sido ouvidos especialistas no
assunto.
Sabe-se que o desenvolvimento de cada criança e adolescente é único. Há os
que parecem mais maduros apesar da
idade que têm, há os que parecem lutar
contra o amadurecimento. É uma questão com alta dose de arbitrariedade, e a
própria opinião dos pais pode não ser
consensual a respeito do grau de amadurecimento de seus filhos. Qualquer
mudança nessa área exigiria um debate
aprofundado com especialistas em educação, em comunicação e com toda a
sociedade.
A súbita liberalização da classificação
nos cinemas (que não pode ser confundida com censura, pois está prevista no
próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, como forma de proteger as
crianças e adolescentes de conteúdos
perniciosos) pode contaminar a discussão sobre a qualidade da programação
voltada às crianças e adolescentes na televisão brasileira. E esta, sim, é uma discussão com grande alcance, pois atinge
todos os níveis socioeconômicos.
Na 4ª Cúpula Mundial de Mídia para
Crianças e Adolescentes, realizada em
abril deste ano no Rio de Janeiro, especialistas do mundo inteiro debateram
esse conteúdo e a importância de criar
marcos regulatórios. Patrícia Edgar,
presidente da Fundação Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes e uma
especialista nesse tema, analisando a
programação televisiva para o público
infanto-juvenil, afirmou que ela "está
submetida aos interesses da propaganda, do merchandising e do consumo,
quando deveria tratar de questões relacionadas à vida humana, ao processo de
crescimento e autoconhecimento das
crianças".
A própria carta dos adolescentes presentes ao encontro pediu a regulamentação dos meios de comunicação de
massa a partir da criação, pela sociedade, de conselhos de ética e denúncias
em todos os países, além de espaço nas
escolas para que elas possam receber,
buscar e utilizar as informações de forma crítica e produtiva.
Os marcos regulatórios que vêm sendo discutidos em diversos países devem
levar em conta análises de conteúdo da
violência no cinema e nas diversas mídias. Pais e especialistas, meios de comunicação e Estado, crianças e jovens,
todos precisam ser ouvidos, até que se
chegue a um grau consensual de autonomia, dentro do qual as famílias, tão
diferentes entre si, possam avaliar com
algum critério o que seus filhos vêem.
Para isso, é preciso discutir mais profunda e abertamente, analisar o tipo de
influência que os filmes exercem em
pessoas em fase de formação, os diversos tipos de violência (inclusive as sutis,
como as que envolvem preconceito social ou de gênero).
Uma grande produção atualmente
em cartaz mostra como essa questão é
complexa. Muitos pais que levaram
seus filhos pequenos para assistir à terceira aventura de Harry Potter foram
surpreendidos com a violência e o impacto de algumas cenas. Certamente, ao
tentarem conciliar o sono de seus filhos
à noite, refletiram sobre a adequação ou
não do filme, classificado como livre.
De tão cercados por imagens violentas, seja em telejornais, seja na ficção, será que não estamos nos tornando gradativamente insensíveis a elas, esquecendo que, aos olhos de uma criança ou
de um adolescente, uma imagem pode
chegar tão potente como um tiro?
Até que essas influências estejam claras, a medida mais prudente seria revogar a portaria e reeditá-la mais adiante,
enriquecida pela discussão sobre a qualidade da produção cultural e da programação de mídia que começa a ganhar
corpo na sociedade.
Rubens Naves, 61, advogado, membro do Conselho da Transparência Brasil, é diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da
Criança e do Adolescente.
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