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CESAR MAIA
Decadência da lei
Santiago Kovadloff, filósofo
e professor argentino, escreveu dias atrás ("La Nación",
18/6) sobre a rotina com que
governantes atropelam a lei.
Kovadloff diz que "deveria
haver um objetivo eminente
na política: reduzir o fosso entre as imperfeições e as distorções em que tende a incorrer
toda gestão pública e as estabelecidas pela Constituição
como deveres ineludíveis de
quem executa esta missão.
Quando tal coisa não ocorre, a
política torna-se um sintoma
dos mesmos males que teria
de combater".
Se isso é o que ocorre na Argentina ("a lei tornou-se um
mandamento ignorado; (...)
sua palavra perdeu a função"), aqui não é diferente. Ele
afirma como prioridade recuperar a quanto antes a política
para a causa constitucional,
ou "o efeito solvente gerado
por esta deformação resultará
em algo irrecuperável".
A afirmação de que os
Kirchner aprofundaram o processo de decadência constitucional ao absorver as faculdades do Congresso e tentar afetar a independência do Judiciário não nos é estranha. As
competências privativas do
Senado são invadidas todos os
dias, seja em política externa,
seja em financeira interna. As medidas provisórias tornaram a Lei do Orçamento
inócua. São cinco anos do
mensalão federal. Licitações
irregulares são estampadas na
imprensa diariamente. Precatórios não são pagos. E essa
pré-campanha acumula deboches sobre a legislação eleitoral. O que Kovadloff chama de
"olfato transgressor" aplica-se
como luva por aqui.
Ele cita o constitucionalista
Daniel Sabsay ("levamos na
Argentina uma vida paraconstitucional") e arremata dizendo que não há controles capazes de impedir e punir os abusos no exercício do poder. Lá,
como aqui, trata-se de um tema que deveria entrar no debate presidencial com propostas de ações efetivas.
A tarefa iniciada em um governo terá que ter continuidade nos próximos, de forma
consensual e independente de
ideologias. Kovadloff afirma
que a situação atual é uma catástrofe que não pode ser subestimada. Há que "gerar confiança na palavra". Segurança
jurídica é uma preliminar do
desenvolvimento.
É parte de nossa rotina política o que Kovadloff fala de lá:
"Governos descartam qualquer conquista do passado.
Sua finalidade é apocalíptica.
Pretendem fundar, sobre as
ruínas estabelecidas pelo descrédito de todo o exposto, a
defesa implacável do seu próprio presente". É uma visão hegemonista e
precária da democracia e do
sistema republicano, uma espécie de reprodução, lá e cá,
do velho refrão: os fins justificam os meios. Ou como se ironizava no antigo "partidão":
Se você pensa que pensa, pensa mal; quem pensa por você é
o comitê central".
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta
coluna.
cesar.maia@uol.com.br
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