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TENDÊNCIAS/DEBATES
A PEC 46, que reintroduz aposentadoria integral ao Judiciário, deve ser aprovada pelo Congresso?
NÃO
Medida deprecia lógica da previdência
JOSÉ CECHIN
Na tradição brasileira, o cargo de
servidor público é vitalício, parte
da vida no exercício da atividade e
parte na inatividade, mas sempre
com remuneração integral.
Isso mudou na reforma do presidente Lula, que quebrou essa tradição e estabeleceu como proventos
de inatividade a média aritmética
simples dos 80% mais altos salários de contribuição.
Essa regra fora adotada no INSS
em 1999, mas com teto de benefícios e aplicação do fator para ajustar diferentes tempos de fruição
conforme idade de aposentadoria.
Quebrar longa tradição exigiu
muito esforço. As regras vigentes
até as reformas permitiam aposentadorias com proventos integrais,
mesmo se o tempo de serviço público fosse muito reduzido.
Bastava alcançar a estabilidade
em dois anos de serviço para ter direito à aposentadoria integral. Muitas pessoas com longo tempo de
contribuição ao INSS prestavam
concurso público para uma carreira
bem remunerada simplesmente para, em pouco tempo, alcançar o direito à aposentadoria integral.
A conta quem pagava -e ainda
paga- eram os contribuintes da alta carga tributária que temos.
A regra era discriminatória. Não
é meramente questão financeira ou
de valor das aposentadorias; trata-se de vantagem que não pode estar
ao alcance de todos os brasileiros,
isso porque quase nunca o histórico de contribuições justificaria o
valor pelo salário final.
As reformas aperfeiçoaram as regras e evitaram excessos e privilégios. As emendas estabeleceram
que a previdência fosse contributiva e atuarial, tanto para trabalhadores do setor privado quanto para
servidores públicos, independente
de ocupação ou cargo.
Esse é o princípio fundamental
da previdência: contribuir para ter
direito, e o valor do direito (aposentadoria) deve ser o justificado pelo
conjunto de todas as contribuições.
Em um sistema que permita aposentadorias pelo último salário, dificilmente se conseguirá observar
esse princípio. É fácil entender o
porquê. Em todas as carreiras, públicas ou privadas, os salários crescem com o tempo de trabalho, experiência e produtividade.
O valor das contribuições é baixo
no começo porque a remuneração é
baixa; será maior no final, quando
a remuneração é mais alta. Assim, o
valor das contribuições não é definido pelo último salário, mas pela
média dos salários de contribuição.
Por isso, a regra da média é coerente com os princípios previdenciários, especialmente o principal
deles, segundo o qual cada um deve financiar a sua aposentadoria.
A magistratura é carreira essencial a qualquer sociedade democrática. É com seus importantes serviços que se garante Justiça a todos.
Suas decisões devem ser independentes; um dos meios de preservar
a independência é a estabilidade
funcional aliada a uma adequada
remuneração.
Mas não vejo como essencial para essa independência que o magistrado se aposente segundo critérios
diferentes das outras categorias de
servidores. Proventos de aposentadoria iguais ao último salário, como
regra diferenciada, não são essenciais para o cumprimento adequado das funções de Estado que se requerem da magistratura e das carreiras típicas de Estado.
Ademais, a discriminação deprecia o sistema de Previdência, cria
aspirações inadequadas, desestimula a participação daqueles que
não terão acesso às vantagens.
É justo que a pessoa, de qualquer
profissão, tenha rendimentos na
aposentadoria não muito inferiores
ao último salário.
As sociedades desenvolveram
mecanismos que permitem a complementação das aposentadorias
para valores próximos ou até mesmo superiores à última remuneração. O que se requer é que cada um
obtenha isso pelo próprio esforço.
JOSÉ CECHIN, doutor em economia pela
Universidade de Cambridge (Inglaterra), ex-ministro
da Previdência e Assistência Social (governo
Fernando Henrique), é superintendente-executivo
do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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