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TENDÊNCIAS/DEBATES
Investigar com responsabilidade e controle
SIM
MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI
Tema inquietante e que nos últimos dias está causando intensa polêmica é a possibilidade de a polícia buscar nos encarcerados a colaboração para a realização de diligências investigatórias.
É importante lembrar, inicialmente,
que a análise de questões dessa natureza
exige serena objetividade, afastando-se
qualquer resquício emocional que possa macular o debate de tema tão instigante quanto controvertido. E, com esta
perspectiva, quer me parecer que a
questão está incorretamente dimensionada, pois, em sucessivas oportunidades, percebe-se a confusão que se estabeleceu entre a legitimidade desse método de investigação e eventuais abusos
ocorridos na sua execução.
Com relação à colaboração de condenados, pode-se afirmar que o avanço
operacional das sociedades criminosas
impõe ao Estado a necessidade de inovar suas formas de investigação, com a
constante atualização de seus métodos,
aprimorando mecanismos já existentes
e introduzindo outros, à altura da sofisticação das novas formas de agir da criminalidade, visando com isso antecipar-se à ação criminosa.
Nos últimos anos o Estado de São
Paulo tem avançado muito na inteligência criminal, lançando mão de vários
instrumentos, dentre os quais a análise
criminal baseada no mapeamento estatístico, como, por exemplo, o Infocrim,
com excelentes resultados no combate à
criminalidade comum, conforme demonstram as estatísticas desses crimes
(roubos, homicídios etc.), em queda
desde o ano 2000.
Já o trabalho de inteligência que vise
atingir o chamado crime organizado
necessita ir além. Mais que a interceptação telefônica e o monitoramento eletrônico, é indispensável o arriscado e difícil trabalho de infiltração em organizações criminosas. E, para esse trabalho,
não se pode prescindir da participação
de condenados que queiram colaborar
com as forças da lei.
É inegável que em toda agremiação
humana permeada pela relação de poder há quem queira colaborar com o sistema, seja por razões pessoais, políticas
ou jurídicas. Nos presídios a natureza
humana não se modifica, e, portanto,
não poderia ser diferente. Há inúmeros
encarcerados que desejam colaborar
com as autoridades e se dispõem a fazê-lo, apontando quadrilhas, delatando
criminosos, informando futuras ações
de grupos ou bandos, propiciando a
pronta intervenção policial, com a finalidade de desbaratar a quadrilha ou impedir a realização de crimes.
Nas grandes democracias mundiais, a
participação de presos em investigações
não só é autorizada, como vem sendo
cada vez mais incentivada. Institutos
como a delação premiada, a imunidade
penal e mesmo a participação em operações policiais são bastante comuns
em países como a Itália, os Estados Unidos e tantos outros.
Contudo o concurso de detentos no
procedimento investigatório não pode
ser livre e dotado de amplitude ilimitada. Necessariamente deve ser voluntário e precedido de imprescindível autorização judicial, concretizando-se, assim, o saudável controle de uma instituição por outra. Outro raciocínio poderia levar ao absurdo de a polícia ser
obrigada a dispensar a colaboração de
um detento que pretenda indicar a localização de um cativeiro, ou mesmo auxiliá-la a desbaratar a gangue ou quadrilha de seus rivais no crime.
Tal exagero impõe nova reflexão sobre esses conceitos, que impedem a solução de muitos crimes, sem desrespeito à condição da pessoa humana.
É evidente que essa forma de investigação, a exemplo das demais, não autoriza, em nenhuma hipótese, a prática de
ilegalidades. É inaceitável que a utilização de detentos em uma investigação
desvirtue para a tortura ou para o homicídio, assim como é absolutamente cristalino que a autorização judicial não
permite nem elide o uso da violência.
É importante ressaltar que os abusos
constituem, tal como o crime, a patologia do sistema, de modo que, em vez de
se abandonar um método adequado de
investigação, deve-se combater a doença que o corrói, apurando e punindo
adequadamente os que comprometam
mecanismos legítimos utilizados pelo
Estado no combate à criminalidade.
A controvérsia, sobretudo pela veiculação nas páginas desta Folha, embute o
mérito de propiciar o debate e a reflexão
sobre tema tão importante quanto atual
e, sem dúvida, trará novos elementos
para o aperfeiçoamento e a modernização da legislação brasileira sobre a investigação e a infiltração nas organizações criminosas; o que, em última instância, é o desejo de todos aqueles que
se pronunciaram sobre o assunto.
Marco Vinício Petrelluzzi, 46, procurador de
Justiça, é candidato a deputado federal pelo
PSDB-SP. Foi secretário da Segurança Pública do
Estado de São Paulo (gestões Covas e Alckmin).
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