São Paulo, sábado, 03 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Investigar com responsabilidade e controle

SIM

MARCO VINÍCIO PETRELLUZZI

Tema inquietante e que nos últimos dias está causando intensa polêmica é a possibilidade de a polícia buscar nos encarcerados a colaboração para a realização de diligências investigatórias.
É importante lembrar, inicialmente, que a análise de questões dessa natureza exige serena objetividade, afastando-se qualquer resquício emocional que possa macular o debate de tema tão instigante quanto controvertido. E, com esta perspectiva, quer me parecer que a questão está incorretamente dimensionada, pois, em sucessivas oportunidades, percebe-se a confusão que se estabeleceu entre a legitimidade desse método de investigação e eventuais abusos ocorridos na sua execução.
Com relação à colaboração de condenados, pode-se afirmar que o avanço operacional das sociedades criminosas impõe ao Estado a necessidade de inovar suas formas de investigação, com a constante atualização de seus métodos, aprimorando mecanismos já existentes e introduzindo outros, à altura da sofisticação das novas formas de agir da criminalidade, visando com isso antecipar-se à ação criminosa.
Nos últimos anos o Estado de São Paulo tem avançado muito na inteligência criminal, lançando mão de vários instrumentos, dentre os quais a análise criminal baseada no mapeamento estatístico, como, por exemplo, o Infocrim, com excelentes resultados no combate à criminalidade comum, conforme demonstram as estatísticas desses crimes (roubos, homicídios etc.), em queda desde o ano 2000.
Já o trabalho de inteligência que vise atingir o chamado crime organizado necessita ir além. Mais que a interceptação telefônica e o monitoramento eletrônico, é indispensável o arriscado e difícil trabalho de infiltração em organizações criminosas. E, para esse trabalho, não se pode prescindir da participação de condenados que queiram colaborar com as forças da lei.
É inegável que em toda agremiação humana permeada pela relação de poder há quem queira colaborar com o sistema, seja por razões pessoais, políticas ou jurídicas. Nos presídios a natureza humana não se modifica, e, portanto, não poderia ser diferente. Há inúmeros encarcerados que desejam colaborar com as autoridades e se dispõem a fazê-lo, apontando quadrilhas, delatando criminosos, informando futuras ações de grupos ou bandos, propiciando a pronta intervenção policial, com a finalidade de desbaratar a quadrilha ou impedir a realização de crimes.
Nas grandes democracias mundiais, a participação de presos em investigações não só é autorizada, como vem sendo cada vez mais incentivada. Institutos como a delação premiada, a imunidade penal e mesmo a participação em operações policiais são bastante comuns em países como a Itália, os Estados Unidos e tantos outros.
Contudo o concurso de detentos no procedimento investigatório não pode ser livre e dotado de amplitude ilimitada. Necessariamente deve ser voluntário e precedido de imprescindível autorização judicial, concretizando-se, assim, o saudável controle de uma instituição por outra. Outro raciocínio poderia levar ao absurdo de a polícia ser obrigada a dispensar a colaboração de um detento que pretenda indicar a localização de um cativeiro, ou mesmo auxiliá-la a desbaratar a gangue ou quadrilha de seus rivais no crime.
Tal exagero impõe nova reflexão sobre esses conceitos, que impedem a solução de muitos crimes, sem desrespeito à condição da pessoa humana.
É evidente que essa forma de investigação, a exemplo das demais, não autoriza, em nenhuma hipótese, a prática de ilegalidades. É inaceitável que a utilização de detentos em uma investigação desvirtue para a tortura ou para o homicídio, assim como é absolutamente cristalino que a autorização judicial não permite nem elide o uso da violência.
É importante ressaltar que os abusos constituem, tal como o crime, a patologia do sistema, de modo que, em vez de se abandonar um método adequado de investigação, deve-se combater a doença que o corrói, apurando e punindo adequadamente os que comprometam mecanismos legítimos utilizados pelo Estado no combate à criminalidade.
A controvérsia, sobretudo pela veiculação nas páginas desta Folha, embute o mérito de propiciar o debate e a reflexão sobre tema tão importante quanto atual e, sem dúvida, trará novos elementos para o aperfeiçoamento e a modernização da legislação brasileira sobre a investigação e a infiltração nas organizações criminosas; o que, em última instância, é o desejo de todos aqueles que se pronunciaram sobre o assunto.


Marco Vinício Petrelluzzi, 46, procurador de Justiça, é candidato a deputado federal pelo PSDB-SP. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (gestões Covas e Alckmin).


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